segunda-feira, 22 de abril de 2019

A Casa dos Espíritos

Dias atrás, depois de guardar livros, parei na porta da biblioteca para olhar a rua. Uma criança passando de mãos dadas com a mãe olhou de canto de olho e disse:

- Tenho medo de entrar nessa casa?

É fato que a biblioteca precisa de reformas, mas não imaginava que estava ao ponto de ser confundida com uma casa mal assombrada.




Se bem que o medo também pode ter sido causado pelo “porteiro”, que na imaginação do garoto seria eu.

“Preciso urgente arrumar minha sobrancelha”- pensei.

Parece exagero, mas a minha sobrancelha, se eu descuidar, humilha a do Monteiro Lobato.

A vantagem é poder penteá-las para trás, quando meus cabelos caírem, e ninguém perceber minha careca.




Mais interessante que o meu “parentesco” com o célebre escritor são as coisas que acontecem não apenas dentro da biblioteca mas ao seu redor.

Na loja de móveis do outro lado da rua há um rapaz que fica o dia todo gritando:

- Estacionamento aqui, ó! Estacionamento aqui, ó! Estacionamento...

Tal frase é repetida umas quatrocentas vezes, antes de uma pequena pausa para tomar água.

Sei que este é o trabalho dele. Um trabalho digno. Mas, quem tenta estudar na biblioteca reclama e muito.

Já eu e meus colegas, dia após dia aguentando isso das 9 às 18 horas, estamos discutindo uma solução: fazer uma vaquinha para comprar uma placa escrita ESTACIONAMENTO e doar para o rapaz segurar e parar de gritar ou jogar uma paçoquinha na goela dele para engasgá-lo.

Competindo com ele está a loja do “xingue-lingue” ao lado. Um único CD é tocado o dia todo a ponto da voz da Marília Mendonça sair rouca na última rodada antes das 18 horas.

O pior é que as músicas grudam na cabeça. Outro dia, por exemplo, um leitor entrou na biblioteca dizendo:

- A devolução do livro era pra ontem. Atrasei.

E em vez de responder “bom dia”, eu cantei:

- “Eeeeh, infiel...”.

Silêncio na biblioteca só antes das 9 horas.

Recentemente, cheguei às 8 da manhã ao trabalho e fiquei fazendo serviço interno. 

Havia uma brisa suave no ar, uma tranquilidade, uma paz que há muito tempo não sentia. Até que...

- SUA VACA!

Um grito raivoso cortou o ar. E recebeu resposta:

- NÃO ENCOSTA OU TE QUEBRO!

As duas vozes femininas vinham da sala de informática o que era bastante curioso, uma vez que a biblioteca ainda não estava aberta e as duas colegas de trabalho que já haviam chegado estavam na cozinha.

Os gritos continuaram exaltados e eu não tive dúvidas: a discussão era entre a loira do banheiro e o fantasma da biblioteca .

Foi então que as palavras daquele menino fizeram sentido: “– Eu tenho medo de entrar nessa casa...”.

Óbvio que ele era médium.

- Paulo!

Era minha colega me chamando.

- Você viu que tem duas mulheres brigando embaixo da janela da inclusão digital?

Estiquei o pescoço e me dei conta que a briga era lá fora.

Assistimos aquilo por um tempo. As duas mulheres gritavam palavrões e depois tentavam se estapear e unhar, mas quem apanhava na verdade era a coitada que estava no meio tentando separá-las.

Resolvi ligar para a polícia. Mas, quando tirei o telefone do gancho, minha colega interviu:

- Paulo, espera!

Eu me aproximei dela e observei a cena: as duas brigonas se abraçaram, pediram desculpas e uma delas disse:

- Aceita comer um pastel comigo?

- Aceito – respondeu a outra.

E como duas velhas comadres seguiram em direção à feira.

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2 comentários:

  1. Hahahaha amei! Pior q a gente sabe que tudo isso acontece na nossa movimentada cidade...

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  2. Verdade. Kkk. As histórias andam por aí.

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