Quinta-feira, 8:30h da manhã.
Estava fazendo as estatísticas da biblioteca, quando alguém bateu na porta.
Enfiei a cabeça pra fora e vi uma moça que me perguntou:
- Posso entrar?
- Desculpe, moça, só abrimos às 9.
- Mas, eu preciso usar o computador.
- Eu ainda nem liguei os computadores.
- Tudo bem. Eu mesma ligo.
- Não é questão disso, moça. Ninguém pode entrar antes do horário.
- Então por que o senhor está aí dentro?
Não sei se fiquei mais puto com a pergunta cretina ou pelo fato de ter sido chamado de "senhor".
Mas, ainda era muito cedo pra ficar estressado.
- Com licença!
Fechei calmamente a porta e passei a chave.
9 horas em ponto abrimos.
A menina entrou.
A menina entrou.
- Tio, tem jornal?
O que é pior: ser chamado de tio ou de senhor?
- Sim! - respondi.
- Quero o jornal local de hoje.
- O jornal local só sai às quartas e aos sábados, e hoje é quinta.
- Mas, eu quero o jornal de hoje.
- Só tem o de ontem.
- E o de hoje?
Aí eu não aguentei.
- Escuta, você tá achando que eu sou palhaço?
- Palhaço, não. Mas eu sei que você é ator. Já vi uma peça sua ano passado.
Acho que estou ficando vaidoso pois na mesma hora a minha irritação deu lugar à simpatia.
- Oh, querida! Sério que você assistiu minha peça?
- Assisti sim.
- E o que você achou?
- Achei ruim.
Meu rosto pegou fogo num misto de vergonha e ira. Coloquei o jornal de ontem sobre o balcão, olhei fixamente para ela com o meu pior olhar de ariano e disse:
- O jornal que eu tenho é este, de ONTEM! Se quiser!
Virei as costas e fui guardar livros nas prateleiras.
A menina pegou o jornal e foi calada pra sala de leitura.
Mas não demorou muito, ela voltou falante.
- Você tem uma caneta pra me emprestar?
- Sim.
Entreguei a caneta a ela.
- E um papel também.
- Tenho apenas esses de rascunho.
- Não tem folha de sulfite?
Que folgada!
- Você não quer mais nada, não?
- Quero.
Ela colocou o jornal em cima do balcão e perguntou:
- Onde eu acho aqui os classificados?
Mostrei para ela a página dos classificados.
- Você está procurando o quê?
- Emprego... Em São Paulo!
- Por que você está procurando emprego em São Paulo num jornal de Atibaia?
- E como eu faço?
- Procura no jornal de São Paulo.
- E tem?
- Tem.
Coloquei o jornal sobre o balcão.
- Ei! Mas esse jornal é de hoje! - ela disse
- Sim. De hoje.
- E por que você me enganou dizendo que só saía às quartas e sábados?
- Eu disse que o jornal LOCAL saía nesses dias. O jornal de São Paulo sai TODOS os dias.
- Está bem! Eu quero usar o computador. Você já ligou? Se não ligou, eu mesma ligo.
- Mas e o jornal?
- Pra que ver o jornal do dia se eu posso ter acesso a informações em tempo real na internet?
Ela virou as costas e foi saltitando feito um unicórnio alcoolizado para a sala de informática.
Incrédulo e hipnotizado fiquei olhando para aquele ser, até que me dei conta de que precisava anotar o nome da menina para ela poder usar o computador.
- Ei, moça! Qual o teu nome?
- Carrie!
"Carrie, a estranha" - pensei.
Neste momento, houve um estouro de transformador de energia, apagando a luz de todo o quarteirão.
Carrie olhou para trás, arregalou os olhos e soltou uma risadinha sarcástica.
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