quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A Estranha

Quinta-feira, 8:30h da manhã.

Estava fazendo as estatísticas da biblioteca, quando alguém bateu na porta.

Enfiei a cabeça pra fora e vi uma moça que me perguntou:

- Posso entrar?

- Desculpe, moça, só abrimos às 9.

- Mas, eu preciso usar o computador.

- Eu ainda nem liguei os computadores.

- Tudo bem. Eu mesma ligo.

- Não é questão disso, moça. Ninguém pode entrar antes do horário.

- Então por que o senhor está aí dentro?

Não sei se fiquei mais puto com a pergunta cretina ou pelo fato de ter sido chamado de "senhor".

Mas, ainda era muito cedo pra ficar estressado.

- Com licença!

Fechei calmamente a porta e passei a chave. 

9 horas em ponto abrimos.

A menina entrou.

- Tio, tem jornal?

O que é pior: ser chamado de tio ou de senhor?

- Sim! - respondi.

- Quero o jornal local de hoje.

- O jornal local só sai às quartas e aos sábados, e hoje é quinta.

- Mas, eu quero o jornal de hoje.

- Só tem o de ontem. 

- E o de hoje?

Aí eu não aguentei.

- Escuta, você tá achando que eu sou palhaço? 

- Palhaço, não. Mas eu sei que você é ator. Já vi uma peça sua ano passado.

Acho que estou ficando vaidoso pois na mesma hora a minha irritação deu lugar à simpatia.

- Oh, querida! Sério que você assistiu minha peça?

- Assisti sim.

- E o que você achou?

- Achei ruim.

Meu rosto pegou fogo num misto de vergonha e ira. Coloquei o jornal de ontem sobre o balcão, olhei fixamente para ela com o meu pior olhar de ariano e disse:

- O jornal que eu tenho é este, de ONTEM! Se quiser!

Virei as costas e fui guardar livros nas prateleiras.

A menina pegou o jornal e foi calada pra sala de leitura.

Mas não demorou muito, ela voltou falante.

- Você tem uma caneta pra me emprestar? 

- Sim.

Entreguei a caneta a ela.

- E um papel também.

- Tenho apenas esses de rascunho.

- Não tem folha de sulfite?

Que folgada!

- Você não quer mais nada, não? 

- Quero.

Ela colocou o jornal em cima do balcão e perguntou:

- Onde eu acho aqui os classificados? 

Mostrei para ela a página dos classificados.

- Você está procurando o quê?

- Emprego... Em São Paulo!

- Por que você está procurando emprego em São Paulo num jornal de Atibaia?

- E como eu faço?

- Procura no jornal de São Paulo.

- E tem?

- Tem. 

Coloquei o jornal sobre o balcão. 

- Ei! Mas esse jornal é de hoje! - ela disse

- Sim. De hoje.

- E por que você me enganou dizendo que só saía às quartas e sábados? 

- Eu disse que o jornal LOCAL saía nesses dias. O jornal de São Paulo sai TODOS os dias.

- Está bem! Eu quero usar o computador. Você já ligou? Se não ligou, eu mesma ligo.

- Mas e o jornal? 

- Pra que ver o jornal do dia se eu posso ter acesso a informações em tempo real na internet? 

Ela virou as costas e foi saltitando feito um unicórnio alcoolizado para a sala de informática.

Incrédulo e hipnotizado fiquei olhando para aquele ser, até que me dei conta de que precisava anotar o nome da menina para ela poder usar o computador.

- Ei, moça! Qual o teu nome?

- Carrie!

"Carrie, a estranha" - pensei.

Neste momento, houve um estouro de transformador de energia, apagando a luz de todo o quarteirão.

Carrie olhou para trás, arregalou os olhos e soltou uma risadinha sarcástica.





















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