Alguns anos atrás, entrou na biblioteca uma mulher de traços orientais e cerca de 40 anos. Usava um curto vestido branco que destacava sua boa forma e o cabelo preso num charmoso coque.
Numa das orelhas havia uma flor vermelha, mas o que dava o toque exótico ao figurino era o par de botas pretas de borracha com solado amarelo que ela calçava.
Pegou um livro na prateleira, "A fazenda em Paracatu", e começou a falar sozinha.
- Posso ajudar? - perguntei.
- Você trabalha aqui?
- Sim. Meu nome é Paulo.
- Eu sei. - ela respondeu.
Percebi que teria um teste de paciência pela frente.
- Esse livro é bom?
- Olha, ele chegou recentemente. Então, ainda não tenho referência.
- Eu morei numa fazenda em Paracatu com meus pais quando era criança.
- Ah! Que legal.
- Mas eu não tô encontrando meu nome aqui. Nem os nomes deles.
Percebi que ela falava sério. Tive que explicar.
- Então... O livro se chama "A fazenda em Paracatu" mas isso não quer dizer que é a mesma fazenda que vocês moravam em Paracatu.
Ela ficou muito, mas muito tempo olhando fixamente para mim.
Eu já estava quase procurando um botão de "reiniciar" na cabeça dela quando ela destravou:
- Tem razão... Me dá um jornal.
- Qual?
- Um grande.
Peguei um jornal qualquer e entreguei a ela. Ela pegou e foi saindo com ele pela porta.
- Ei, moça! Aonde você vai?
- Vou levar o jornal pra casa.
- Não pode. O jornal é pra ser lido aqui dentro.
Ela voltou. Colocou o jornal no balcão e disse:
- Então eu compro na banca.
Ela saiu. Eu me levantei para guardar alguns livros e só então notei o rastro de barro que ela havia deixado com suas botas.
Peguei um pano e um rodo e já estava limpando o estrago quando ela voltou:
- Posso levar um livro emprestado?
"Meu Deus! É hoje"
- Pode.
- Mas antes eu vou ao toalete.
- Por ali, moça.
- Mas aqui está escrito "banheiro".
- Sim. Mas este é masculino.
- Ah! Deixa. Quero usar o computador.
Ela escolheu uma máquina e se sentou.
- Qual o teu nome? - perguntei.
- Marcela. Mas o meu nome social é Angel Luz. E o meu nome artístico é...
- Não precisa! Um nome é o suficiente pra eu anotar aqui nas estatísticas.
- Mas então eu quero usar o meu nome artístico: Maria Silva.
- Ok. Maria Silva.
Anotei e já estava saindo da sala de informática quando notei um movimento estranho.
- Maria! Por que você está desligando os computadores?
- Porque eu já escolhi este aqui pra usar: número 9.
- Ok. Mas os outros têm que permanecer ligados.
- Pra quê?
- Porque logo outras pessoas vão chegar querendo usar.
- Mas não tem ninguém usando.
- Mas tem que deixar ligado.
- E se eu quiser trocar de computador?
- Por quê? O 9 não tá funcionando?
- Tá. Mas e se eu quiser trocar?
- Por quê?
- Posso trocar?
- Troca então, vai!
Ela se levantou e começou a desligar os computadores novamente.
Daí não aguentei mais e explodi:
- PELO AMOR DE DEUS!!!
Ela parou e ficou me encarando muda.
- Maria, você escolhe 1 computador, senta e usa. Os outros você não mexe porque você não é funcionária da biblioteca. ENTENDEU?
Sem querer, fiz a minha melhor interpretação de olhar de psicopata na vida.
Mas ela, fria como um iceberg, olhou para mim e perguntou suavemente:
- Você tá nervoso, Paulo?
- O que você acha, MARIA?
Ela segurou a minha mão e disse carinhosamente:
- Eu te endendo. Trabalhar na biblioteca deve ser MUITO estressante.
Levantou-se e foi embora.
Até hoje não sei se ela falava sério, estava sendo irônica ou era doida.
O que sei é que desde esse dia ela nunca mais apareceu.
Deve ter voltado pra Paracatu.
Tomara!
O que sei é que desde esse dia ela nunca mais apareceu.
Deve ter voltado pra Paracatu.
Tomara!
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