Era um dia calmo demais, daqueles que a gente faz força para não coxilar em pé.
Até que, de repente, alguém gritou:
- MOÇO!!!
Depois de pular da cadeira, dar um salto mortal no ar, cair de volta na cadeira e conseguir me recuperar do susto, eu disse:
- Pois não?
- Moço, quero renovar o empréstimo do livro.
- Por favor, sua carteirinha. - pedi.
- Ai, meu Deus! Eu tô morrendo de pressa.
A mulher jogou a bolsa no balcão, que por pouco não afundou, e passou a retirar os mais variados objetos de dentro dela: batom, escova de cabelo, escova de dentes, creme de pele, sabonete líquido íntimo...
- Precisa mesmo da carteirinha? Tô super apressada.
- Precisa. - eu disse. - É com a carteirinha que eu faço o controle dos empréstimos e devoluções.
- Tá! - Respondeu seca e continuou limpando a bolsa: agenda, caderno, carnê das Casas Bahia, talão de cheques, um pergaminho...
- Caramba! Não tô achando!
Ela não parava de reclamar nem de esvaziar a bolsa: barrinha de cereal, mix de castanhas, goiabada cascão, uma ostra, um torniquete...
- Droga! Não acho essa porcaria! Você não tem ideia do quanto tô com pressa!
Mas só depois de muito procurar, ela finalmente encontrou a carteirinha da biblioteca enroscada no rabo de um unicórnio de pelúcia.
- Achei!
Peguei a carteirinha, olhei a data de devolução e não entendi:
- Moça, porque você quer renovar seu empréstimo hoje? Você ainda tem 6 dias pra ficar com este livro.
- Ah, não. Já vim logo. Assim já renovo logo. Já leio logo. Devolvo e pego outro logo. Já fez aí?
- Já. - dei a carteirinha na mão dela que saiu rápido como um raio.
Título do livro que ela levava: "Ansiedade - como enfrentar o mal do século" do Augusto Cury.
Não! Não era autobiográfico.
Daí veio o Seu Lobato que estava escolhendo um livro fazia umas 2 horas.
- Você viu que pouca vergonha?
- O que aconteceu, seu Lobato? - perguntei.
- Essa mulher que saiu daqui agora: a saia era tão curta que mais parecia um cinto! O Mundo está perdido mesmo!
Seu Lobato, um pastor evangélico de mais de 70 anos, é um daqueles defensores ferrenhos da moral e dos bons costumes. E que não admite ser contrariado.
Além disso, depois desse período eleitoral, tudo o que eu quero é escapar de discussões à toa.
Por isso, apenas concordei:
- Pois é, Seu Lobato... Qual livro o senhor vai levar?
- Este.
Quando ele colocou o livro sobre o balcão, fiquei constrangido. Mas, era meu dever alertá-lo.
- Seu Lobato, é... Como eu posso dizer? Este livro que o senhor está querendo levar fala sobre... Sobre...
- Eu sei do que se trata, rapaz. Só espero que o livro seja mais emocionante que o filme.
Título do livro ele levava:
"50 Tons de Cinza"
Como diz aquela música do Nando Reis:
Coisas curiosas não é? O falso defensor moral de erro versus a verdadeira q não se importa com opinião alheia. Tudo é possível!(?). Mas não deixa de ser interessante lidar com pessoas assim, infelizmente muitas ocupam um lugar q poderia estar livre para outra. Pronto falei.!(...desabafo). Nada ver com leitor.
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