Depois de participar de uma oficina de escrita criativa e entender que escrever não é questão de inspiração e sim de prática, passei a ficar uma hora por dia, todas as tardes, criando no computador.
É sábado. Trabalhei na biblioteca até meio-dia. Chego em casa, almoço e corro com a faxina. Às 15 horas, estou liberado.
“Sobre o que vou escrever hoje?”
Abro o notebook e me lembro: “São as palavras que conduzem o texto.”
Começo a digitar o título:
“A”
Alguém bate à porta.
Atendo.
- Pois não?
- Boa tarde, senhor! Sou, Wagner, representante da Hino...
- Aceita um copo d’água?
- Aceito.
- Só um minuto.
Encosto a porta. Entro. Pego o copo d’água. Levo ao vendedor.
- Muito obrigado.
Ele bebe com vontade. É um outono atípico, de muito calor.
- Aceita mais um pouco?
- Obrigado! Estou satisfeito. O senhor conhece os produtos da Hino...
- Imagina! Eu pego mais.
- Senhor, não precisa...
Já estou dentro de casa.
Pego a garrafa d’água. Encho o copo. Ele toma. Pego a garrafa de novo...
- Não. Não. Não... Aaaaaah!!!
Encho pela terceira vez.
Ao terminar, ele dá um passo para trás, antes que eu possa encher seu copo novamente.
- Não aguento mais. Estou satisfeito.
- Ok.
Ele estica o braço para me devolver o copo. Pego.
- Então, senhor...?
- Paulo.
- Senhor Paulo...
- Só Paulo, por favor.
- Ah, desculpe. Então, Paulo, você conhece os produtos da Hino...
- Só um minutinho que eu vou guardar o copo.
Entro. Encosto a porta. Volto trazendo um saco de biscoito de polvilhos e umas paçocas de rolha.
- Wagner, trouxe umas coisinhas pra você comer. Sei que andar o dia todo na rua dá muita fome. Eu mesmo quando trabalhava na companhia de energia elétrica...
Conto minha história enquanto ele come biscoitos e paçocas. O segredo para se livrar desses vendedores é falar mais que eles.
Quando percebo que ele está com dificuldade de engolir pela secura dos alimentos, é o momento de questioná-lo:
- Faz tempo que você trabalha com esse produto?
- (...)
Ele tenta responder e engasga.
Bato nas costas dele.
- Vou buscar mais água.
- Nããããããoooooo...
Quando volto com a segunda garrafa d’água, o vendedor já foi embora.
“Finalmente vou poder escrever”.
Já são 16 horas.
Recomeço a digitar o título. O notebook desliga.
Corro e abro a gaveta. A conta de luz foi paga.
Saio na rua. A vizinha que tudo sabe, tudo vê traz a notícia:
- Acabou a energia da rua toda.
Na esquina, há um caminhão da companhia de energia. A mesma que trabalhei e contei a história para o vendedor.
Parece castigo.
- Tem previsão de demora, amigo?
- Daqui uma hora a energia volta.
Entro à procura de um lápis, uma caneta, um papel.
Encontro o papel. Mas e as canetas? Lembro que emprestei o estojo para o meu sobrinho brincar e só Deus sabe onde ele deixou.
Fico agoniado. Escrever é uma necessidade para mim.
“O celular, claro!”
Pego o celular. A bateria está acabando.
Resolvo fazer um café. No fogão. Não há energia para usar a cafeteira.
O café dá certo. Pelo menos isso. Volto para a rua. Sento na porta de casa. Fecho os olhos. Tento meditar...
“Piiiiiii...”
O microondas apita. A energia está de volta.
Entro na cozinha e ao olhar a hora me dou conta que cochilei sentado na porta.
“O que a vizinha vai dizer?”
- Certeza que fumou erva.
Ela que pense.
Ligo novamente o notebook.
“A”
Quando vou digitar a segunda palavra, a porta abre.
- Oi amor, vai tomar banho que a gente vai sair.
Salvo o “A” e desligo o computador.
Desculpem leitores, mas, hoje, não tem história.
Segue lá no INSTA: Paulo Sergio
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