quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A pegadinha do bêbado

Dias atrás, fui levar uma correspondência para o bibliotecário e passando pela sala de leitura ouvi alguém chamar:

- Escuta!

Olhei e era um andarilho que sempre aparece para ler o jornal do dia. Ele continuou:

- Fala pra mim: a quanto tempo a gente é amigo?

Estranhei, pois nunca conversamos a ponto de sermos considerados amigos. Ele prosseguiu:

- Lembra quando a gente ia lá e andava de skate? 

Lá? Skate? Eu nunca andei de skate!

Só então percebi que ele não falava comigo, mas com alguém que só ele conseguia ver.

Admiro e respeito muito quem tem mediunidade.

Mas o caso ali era outro: em poucos segundos, quase fiquei bêbado inalando aquela nuvem de corote formada em torno do sujeito.

- Me arruma um cigarro?

Fiquei aguardando para ver se o "amigo imaginário" ia ceder um cigarro.

- Ei! Me arruma um cigarro aí!

Daí percebi que ele estava falando comigo.

- Desculpe! Eu não fumo. 

- Faz bem! Tá vendo aqui no jornal? Essa reportagem diz que fumar pode causar 50 tipos diferentes de problemas de saúde.

Eu me aproximei para ler:

"Couve manteiga: R$0,99"

Era um jornal de ofertas do mercado!

Fingi que acreditei e pedi licença.

Ele passou a manhã toda conversando sozinho, mas sem incomodar ninguém, pois a biblioteca estava vazia.

Antes de ir embora, ele parou perto de mim e disse:

- Você achou que eu tava falando sozinho, né?

Tirou os fones de ouvido e só então eu entendi que ele estava conversando no celular.

- Mas e a história do jornal? - perguntei.

- Você caiu como um pato! 

Ele riu e foi embora.







quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Funcionária Fantasma

Jandira* veio trabalhar na biblioteca para fazer a mesma função que eu. 

Mas ganhando 5 vezes mais!

Sexta-feira, 9 da manhã em ponto abrimos as portas e já entraram três leitores.

E nada da Jandira aparecer.

9:15 h (Jandira chega):

- Bom diiiiiiiiiia!!! Desculpem o atraso, perdi a hora, acreditam?

- Bom dia, Jandira!

Jandira entra e vai guardar a sua bolsa no armário. No caminho, encontra Joana*, que quando começa a falar parece um caminhão cegonha sem freio descendo a Tamoios, ou seja, dispara e ninguém segura. 

9:45 h (Jandira consegue voltar pra recepção):

- Gente! Como a Joana* fala! 

- Nem me fale!

- Paulo, segura aí que vou dar um pulinho ali na padaria e já volto.

- Beleza!

Jandira vai até a padaria. 

10 horas (Jandira retorna):

- Você acredita que não tinha Toddynho na padaria? Eu não tomo café da manhã sem Toddynho. Segura meu pão aí que eu vou até a loja de 1,99.

Jandira larga o saco de pão sobre o balcão e vai atrás do seu Todynho.

10:20 h (Jandira retorna):

- Nossa! Tava uma fila lá. Paulinho, querido, pega meu saco de pão aí, por favor.

Jandira vai para a cozinha tomar o seu café, embora já fosse quase hora do meu café. 

10:45 h (Jandira aparece):

- Paulo, eu vou escovar meus dentes e já venho te ajudar.

- Ok, Jandira!

Jandira vai escovar os dentes.

11:15 h (Jandira volta mais pálida que a noiva cadáver):

- Ai, Paulo! Não tô legal. 

- Nossa, Jandira! Você tá branca!

- Acho que o Toddynho não me caiu bem. Vou até a farmácia comprar um remédio.

- Deixa que eu vou pra você. Senta aqui.

- Não precisa. Eu vou e aproveito pra verificar minha pressão.

Jandira vai até a farmácia.

12:15 h (Jandira retorna mais corada e com uma sacola enorme):

- Voltei.

- E aí, tá melhor?

- Bem melhor. Tomei um sal de frutas na farmácia e melhorei. Daí aproveitei e no caminho comprei uma batedeira na Black Friday. Vou lá dentro guardar.

Jandira vai guardar a batedeira.

12:20 h (Jandira volta):

- Paulo, vou fumar aqui na frente e já volto.

12:30 h (Jandira retorna):

- Vou usar o telefone fixo. Preciso marcar uma consulta.

Jandira liga para o Hospital. Ela é a décima na lista de espera das ligações para marcar consulta.

12:55 h (Jandira finalmente consegue concluir a ligação. Ela olha para o relógio na parede):

- Como a hora passou rápido! Já tá na hora do meu almoço.

Jandira vai buscar sua bolsa e volta.

- Paulo, tô indo almoçar.

13:30h (Saio para almoçar)

14:30h (Retorno do almoço)

- Paulo, a Jandira não vem depois do almoço? - pergunta uma outra colega de trabalho.

- Não sei. - respondo. - Já era para ela estar aqui à meia hora.

Entra Jandira:

- Gente! Desculpem o atraso! A cidade tá uma loucura. Não conseguia vaga para estacionar.

Jandira entra e vai guardar a bolsa.

14:35 h (Jandira reaparece):

- Vou dar uma "fumadinha" e já entro.

14:45 h (Jandira retorna):

- Pronto! 

Jandira mal senta, o celular dela toca:

- Alô? Quem? Oi, Alice! Quanto tempo? Como você tá, menina? Ah, eu tô ótima...

Jandira vai pra sala de informática falando no celular.

15:30 h (Jandira volta falando no celular):

- ... outro pra você, também, Alice! Tchau! (para mim): - Paulo, vou tomar meu café. Já passou da hora.

- Vai lá!

Jandira vai.

15:50 h (Jandira retorna):

- Ai que raiva!

- O que aconteceu, Jandira?

- Acredita que já acabou meu crédito do celular? Vou até a banca recarregar e já volto.

- Belê!

Jandira vai recarregar os créditos.

16 horas (Jandira entra):

- Fui em duas bancas e eles estão sem sistema. Vou até o banco.

Jandira vai ao banco.

16:15 h (Jandira aparece):

- Consegui. Recarreguei meus créditos.

- Que bom!

- Hum... Sabe do que me deu vontade agora?

- Do quê?

- Milk Shake! Vou comprar. Você quer?

- Não. Obrigado, Jandira!

Jandira sai para comprar o Milk Shake.

16:30 h (Jandira volta com um milk shake tão grande que mais parece um extintor):

- Quer, Paulinho? 

- Valeu, Jandira!

- Vou tomar lá na cozinha.

Jandira vai para a cozinha.

16:50 (Jandira passa acelerada em direção à sala da chefia)

17 horas (Jandira se despede):

- Tchau, Paulo! Tô indo embora mais cedo.

- Tchau, Jandira! Até amanhã! 

- Não, Paulo. Eu não volto mais. Vou pedir pra mudar de setor.

- Nossa, Jandira! Você só está com a gente a 5 dias. Por que você já quer sair?

- Achei muito cansativo trabalhar aqui...

Jandira vai embora. 

Rinaldo, o jardineiro linguarudo que passou o dia todo sentado lendo jornal não perde a oportunidade de especular:

- Paulo, quem é essa daí?

- É a Jandira.

- Eu não gosto de falar mal de ninguém mas ela não fez nada o dia inteiro. Não é à toa que falam mal de funcionário público.

- Mas ela não é funcionária concursada.

- Ah, não? E ela é o quê? 

- Comissionada...

*nomes fictícios











quinta-feira, 22 de novembro de 2018

A Fazenda

Alguns anos atrás, entrou na biblioteca uma mulher de traços orientais e cerca de 40 anos. Usava um curto vestido branco que destacava sua boa forma e o cabelo preso num charmoso coque.

Numa das orelhas havia uma flor vermelha, mas o que dava o toque exótico ao figurino era o par de botas pretas de borracha com solado amarelo que ela calçava.

Pegou um livro na prateleira, "A fazenda em Paracatu", e começou a falar sozinha.

- Posso ajudar? - perguntei.

- Você trabalha aqui?

- Sim. Meu nome é Paulo.

- Eu sei. - ela respondeu.

Percebi que teria um teste de paciência pela frente.

- Esse livro é bom?

- Olha, ele chegou recentemente. Então, ainda não tenho referência.

- Eu morei  numa fazenda em Paracatu com meus pais quando era criança.

- Ah! Que legal.

- Mas eu não tô encontrando meu nome aqui. Nem os nomes deles.

Percebi que ela falava sério. Tive que explicar.

- Então... O livro se chama "A fazenda em Paracatu" mas isso não quer dizer que é a mesma fazenda que vocês moravam em Paracatu. 

Ela ficou muito, mas muito tempo olhando fixamente para mim. 

Eu já estava quase procurando um botão de "reiniciar" na cabeça dela quando ela destravou:

- Tem razão... Me dá um jornal.

- Qual?

- Um grande.

Peguei um jornal qualquer e entreguei a ela. Ela pegou e foi saindo com ele pela porta.

- Ei, moça! Aonde você vai?

- Vou levar o jornal pra casa.

- Não pode. O jornal é pra ser lido aqui dentro.

Ela voltou. Colocou o jornal no balcão e disse:

- Então eu compro na banca

Ela saiu. Eu me levantei para guardar alguns livros e só então notei o rastro de barro que ela havia deixado com suas botas. 

Peguei um pano e um rodo e já estava limpando o estrago quando ela voltou:

- Posso levar um livro emprestado?

"Meu Deus! É hoje"

- Pode.

- Mas antes eu vou ao toalete. 

- Por ali, moça.

- Mas aqui está escrito "banheiro".

- Sim. Mas este é masculino.

- Ah! Deixa. Quero usar o computador.

Ela escolheu uma máquina e se sentou.

- Qual o teu nome? - perguntei.

- Marcela. Mas o meu nome social é Angel Luz. E o meu nome artístico é...

- Não precisa! Um nome é o suficiente pra eu anotar aqui nas estatísticas.

- Mas então eu quero usar o meu nome artístico: Maria Silva.

- Ok. Maria Silva. 

Anotei e já estava saindo da sala de informática quando notei um movimento estranho.

- Maria! Por que você está desligando os computadores? 

- Porque eu já escolhi este aqui pra usar: número 9.

- Ok. Mas os outros têm que permanecer ligados.

- Pra quê? 

- Porque logo outras pessoas vão chegar querendo usar.

- Mas não tem ninguém usando.

- Mas tem que deixar ligado.

- E se eu quiser trocar de computador?

- Por quê? O 9 não tá funcionando? 

- Tá. Mas e se eu quiser trocar?

- Por quê? 

- Posso trocar?

- Troca então, vai!

Ela se levantou e começou a desligar os computadores novamente.

Daí não aguentei mais e explodi:

- PELO AMOR DE DEUS!!!

Ela parou e ficou me encarando muda.

- Maria, você escolhe 1 computador, senta e usa. Os outros você não mexe porque você não é funcionária da biblioteca. ENTENDEU?

Sem querer, fiz a minha melhor interpretação de olhar de psicopata na vida.

Mas ela, fria como um iceberg, olhou para mim e perguntou suavemente: 

- Você tá nervoso, Paulo?

- O que você acha, MARIA?

Ela segurou a minha mão e disse carinhosamente:

- Eu te endendo. Trabalhar na biblioteca deve ser MUITO estressante.

Levantou-se e foi embora.

Até hoje não sei se ela falava sério, estava sendo irônica ou era doida.

O que sei é que desde esse dia ela nunca mais apareceu.

Deve ter voltado pra Paracatu.

Tomara!





quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A Estranha

Quinta-feira, 8:30h da manhã.

Estava fazendo as estatísticas da biblioteca, quando alguém bateu na porta.

Enfiei a cabeça pra fora e vi uma moça que me perguntou:

- Posso entrar?

- Desculpe, moça, só abrimos às 9.

- Mas, eu preciso usar o computador.

- Eu ainda nem liguei os computadores.

- Tudo bem. Eu mesma ligo.

- Não é questão disso, moça. Ninguém pode entrar antes do horário.

- Então por que o senhor está aí dentro?

Não sei se fiquei mais puto com a pergunta cretina ou pelo fato de ter sido chamado de "senhor".

Mas, ainda era muito cedo pra ficar estressado.

- Com licença!

Fechei calmamente a porta e passei a chave. 

9 horas em ponto abrimos.

A menina entrou.

- Tio, tem jornal?

O que é pior: ser chamado de tio ou de senhor?

- Sim! - respondi.

- Quero o jornal local de hoje.

- O jornal local só sai às quartas e aos sábados, e hoje é quinta.

- Mas, eu quero o jornal de hoje.

- Só tem o de ontem. 

- E o de hoje?

Aí eu não aguentei.

- Escuta, você tá achando que eu sou palhaço? 

- Palhaço, não. Mas eu sei que você é ator. Já vi uma peça sua ano passado.

Acho que estou ficando vaidoso pois na mesma hora a minha irritação deu lugar à simpatia.

- Oh, querida! Sério que você assistiu minha peça?

- Assisti sim.

- E o que você achou?

- Achei ruim.

Meu rosto pegou fogo num misto de vergonha e ira. Coloquei o jornal de ontem sobre o balcão, olhei fixamente para ela com o meu pior olhar de ariano e disse:

- O jornal que eu tenho é este, de ONTEM! Se quiser!

Virei as costas e fui guardar livros nas prateleiras.

A menina pegou o jornal e foi calada pra sala de leitura.

Mas não demorou muito, ela voltou falante.

- Você tem uma caneta pra me emprestar? 

- Sim.

Entreguei a caneta a ela.

- E um papel também.

- Tenho apenas esses de rascunho.

- Não tem folha de sulfite?

Que folgada!

- Você não quer mais nada, não? 

- Quero.

Ela colocou o jornal em cima do balcão e perguntou:

- Onde eu acho aqui os classificados? 

Mostrei para ela a página dos classificados.

- Você está procurando o quê?

- Emprego... Em São Paulo!

- Por que você está procurando emprego em São Paulo num jornal de Atibaia?

- E como eu faço?

- Procura no jornal de São Paulo.

- E tem?

- Tem. 

Coloquei o jornal sobre o balcão. 

- Ei! Mas esse jornal é de hoje! - ela disse

- Sim. De hoje.

- E por que você me enganou dizendo que só saía às quartas e sábados? 

- Eu disse que o jornal LOCAL saía nesses dias. O jornal de São Paulo sai TODOS os dias.

- Está bem! Eu quero usar o computador. Você já ligou? Se não ligou, eu mesma ligo.

- Mas e o jornal? 

- Pra que ver o jornal do dia se eu posso ter acesso a informações em tempo real na internet? 

Ela virou as costas e foi saltitando feito um unicórnio alcoolizado para a sala de informática.

Incrédulo e hipnotizado fiquei olhando para aquele ser, até que me dei conta de que precisava anotar o nome da menina para ela poder usar o computador.

- Ei, moça! Qual o teu nome?

- Carrie!

"Carrie, a estranha" - pensei.

Neste momento, houve um estouro de transformador de energia, apagando a luz de todo o quarteirão.

Carrie olhou para trás, arregalou os olhos e soltou uma risadinha sarcástica.





















quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Quem vê capa não vê conteúdo

Era um dia calmo demais, daqueles que a gente faz força para não coxilar em pé.

Até que, de repente, alguém gritou:

- MOÇO!!!

Depois de pular da cadeira, dar um salto mortal no ar, cair de volta na cadeira e conseguir me recuperar do susto, eu disse:

- Pois não?

- Moço, quero renovar o empréstimo do livro.

- Por favor, sua carteirinha. - pedi.

- Ai, meu Deus! Eu tô morrendo de pressa.

A mulher jogou a bolsa no balcão, que por pouco não afundou, e passou a retirar os mais variados objetos de dentro dela: batom, escova de cabelo, escova de dentes, creme de pele, sabonete líquido íntimo...

- Precisa mesmo da carteirinha? Tô super apressada.

- Precisa. - eu disse. - É com a carteirinha que eu faço o controle dos empréstimos e devoluções.

- Tá! - Respondeu seca e continuou limpando a bolsa: agenda, caderno, carnê das Casas Bahia, talão de cheques, um pergaminho...

- Caramba! Não tô achando! 

Ela não parava de reclamar nem de esvaziar a bolsa: barrinha de cereal, mix de castanhas, goiabada cascão, uma ostra, um torniquete...

- Droga! Não acho essa porcaria! Você não tem ideia do quanto tô com pressa!

Mas só depois de muito procurar, ela finalmente encontrou a carteirinha da biblioteca enroscada no rabo de um unicórnio de pelúcia.

- Achei! 

Peguei a carteirinha, olhei a data de devolução e não entendi:

- Moça, porque você quer renovar seu empréstimo hoje? Você ainda tem 6 dias pra ficar com este livro.

- Ah, não. Já vim logo. Assim já renovo logo. Já leio logo. Devolvo e pego outro logo. Já fez aí?

- Já. - dei a carteirinha na mão dela que saiu rápido como um raio.

Título do livro que ela levava: "Ansiedade - como enfrentar o mal do século" do Augusto Cury.

Não! Não era autobiográfico.

Daí veio o Seu Lobato que estava escolhendo um livro fazia umas 2 horas.

- Você viu que pouca vergonha?

- O que aconteceu, seu Lobato? - perguntei.

- Essa mulher que saiu daqui agora: a saia era tão curta que mais parecia um cinto! O Mundo está perdido mesmo!

Seu Lobato, um pastor evangélico de mais de 70 anos, é um daqueles defensores ferrenhos da moral e dos bons costumes. E que não admite ser contrariado.

Além disso, depois desse período eleitoral, tudo o que eu quero é escapar de discussões à toa.

Por isso, apenas concordei:

- Pois é, Seu Lobato... Qual livro o senhor vai levar? 

- Este.

Quando ele colocou o livro sobre o balcão, fiquei constrangido. Mas, era meu dever alertá-lo.

- Seu Lobato, é... Como eu posso dizer? Este livro que o senhor está querendo levar fala sobre... Sobre...

- Eu sei do que se trata, rapaz. Só espero que o livro seja mais emocionante que o filme.

Título do livro ele levava:

"50 Tons de Cinza"




Como diz aquela música do Nando Reis:

"O mundo está ao contrário e ninguém reparou".

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terça-feira, 23 de outubro de 2018

Mal-entendido

A vida é cheia de mal-entendidos.

E na biblioteca não seria diferente.

Certa vez, uma leitora pediu ajuda:

- Bom dia! Por favor, Iracema?

E uma colega prontamente respondeu:

- Desculpa! Aqui não tem ninguém com esse nome.





Todos rimos e a colega percebeu seu equívoco. 

E é lógico que eu imaginei a continuação dessa conversa...

A leitora diria:
- A Iracema que eu falo é a do José de Alencar.

E a colega responderia:
- Mas, minha querida, se eu não conheço nem a Iracema como é que vou conhecer o marido dela, esse tal de José? Ainda mais ele sendo de Alencar. Ainda se fosse daqui de Atibaia...

Outra coisa que acontece muito é ligarem aqui por engano.

- Biblioteca, bom dia! (Sempre falo essa frase e em 90 % das vezes ela é ignorada)

- Bom dia! Eu queria saber quanto fica pra fazer um orçamento? 

- Um orçamento? 

- Sim. É o seguinte: minha calculadora científica caiu e agora todas as vezes que eu ligo aparece um monte de zeros...

- Então, mas é que aqui não...

- Ela até tá funcionando...

- Então, mas aqui é uma...

- Mas tem hora que aquele monte de zeros me atrapalha e eu não consigo fazer meus cálculos. O que o senhor me sugere?

- Eu sugiro "O Homem que Calculava".

- Como assim, não entendi?!

- Sugiro o livro "O Homem que Calculava" do Malba Tahan. 




- Escuta! Aí não é da assistência técnica?

- Não. Aqui é da BIBLIOTECA!

- Pô, cara! Tá pensando que eu sou palhaço? Por que não disse isso antes? 

- Mas foi a primeira coisa que eu disse...

Tarde demais. Ele já havia desligado o telefone na minha cara.

E "senhor" é o vô dele! Inferno!

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quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Orkut

Recentemente, um rapaz chegou aqui na biblioteca pedindo para usar a sala de informática.

Anotei o nome dele e expliquei que os computadores eram bloqueados para redes sociais. Ele concordou e foi se sentar. Um minuto depois, me chamou:

- Moço! 

- Sim?

- Como eu faço pra entrar no meu orkut?

Tive vontade de responder: 

- Aqui é biblioteca, não é museu.

Mas, claro que eu não disse isso. 

Apenas expliquei (novamente) que os computadores só funcionavam para pesquisa. 

Ele ficou me olhando com cara de paisagem. 

E eu olhando de volta com cara de boneco de madeira.

Daí ele se levantou "p" da vida e foi embora me xingando, mandando eu tomar no "orKUt"!

Deve ter pensado que eu estava com má vontade.

Ah, vá reclamar pra Google!

No mesmo dia, um leitor que estava observando alguns DVDs que temos para empréstimo, de repente perguntou:

- E fita VHS vocês têm?

Para quem não sabe, fita VHS é aquela usada em videos cassetes para assistir filme.

Eu sei não porque sou antigo, mas sim porque leio muito... 

Mentira.

Sou da época em que o videocassete tinha controle com fio ainda!

Para completar, mais tarde, um senhor de oitenta e poucos anos perguntou se a gente teria uma máquina de escrever para doação.

Eu: - Não temos, senhor.

Ele: - Então me vende essa aí - disse apontando a máquina.

Eu: - Desculpe, não está à venda.

Ele: - Qual o preço?

Eu: - Não tem preço.

Ele: - Como não? Tudo tem seu preço, rapaz!

Achei graça na insistência dele. Expliquei que aquela máquina não me pertencia e sim à Prefeitura. E que, além disso, nós ainda a usávamos.

Ele: - Isto é sério? Vocês ainda usam máquina de escrever nos tempos de hoje? 

Eu: - Sim. 

Ele: - Que atrasados!

Eu: - Desculpe, mas o senhor queria a máquina para que mesmo? Colocar de enfeite?

Ele: - Deus me livre! Eu ia passar pra frente, fazer negócio com um antiquário e levantar uma grana para comprar botas novas de escalada em gelo.

O senhor se despediu de mim, sacou do bolso um celular de última geração e foi embora fazendo uma "live" contando no seu canal no youtube que havia acabado de visitar uma biblioteca que vivia no século passado.

E eu achando que era moderninho.

Ter espírito jovem não tem preço! 










quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O fantasma da biblioteca




A loira do banheiro é coisa do passado.

Segunda-feira passada, estávamos fechando a biblioteca e eu fui verificar se algumas luzes estavam apagadas.

Quando me aproximei do banheiro do fundo, a porta se fechou. Voltei lá pra frente reclamando:

- Brincadeira! A pessoa vem usar o banheiro bem na hora da gente fechar.

Minha colega Wal disse que quem estava no banheiro era uma senhora que passou por ela e disse coisas que ela não entendeu.

Seria estrangeira?

Ficamos conversando lá na frente e esperando. E a senhorinha nada de sair. 

Depois de um certo tempo, preocupado, comentei com a colega Lu:

- Será que a senhorinha está passando mal? 

Como o banheiro era feminino, pedi que minha colega fosse bater na porta. 

Ela bateu. Chamou. E nada. 

Virou a maçaneta. Estava aberta.

- Paulo, não tem ninguém aqui.

- Como assim?

Fui até lá. Não havia ninguém mesmo.

Olhamos no outro banheiro, ao lado. Nada.

A Lu riu da minha cara de espanto.

Teria sido coincidência a porta se fechar bem na hora que eu me aproximei?

Pode ser.

Mas e a senhorinha de fala estranha que a Wal viu?

- Era loira - ela disse.

Então, não tive dúvidas: era a loira do banheiro. 

Fantasmas também envelhecem.






sábado, 6 de outubro de 2018

Trilogia Erótica

Romances eróticos (na linha 50 Tons de Cinza) são muito procurados na biblioteca.

Porém, existem alguns livros que NÃO são dessa linha, mas, por conta do título, parecem ser. 

Baseado nesses títulos esdrúxulos fiz um exercício de imaginação e criei uma nova trilogia de livros eróticos.

Seguem os títulos e as resenhas:

Livro 1: OS CUS DE JUDAS


Conta a infância e a adolescência de um jovem que se descobre homossexual e que é portador de uma mutação genética rara que o fez desenvolver 7 "foreves" (ou fiantã ou toba ou furico, pra quem não conseguiu entender). 
Dos 13 aos 19 anos, o corajoso Culisses Judas passa por uma verdadeira Odisseia ao ser submetido a um tratamento de hemorróidas múltiplas.

Livro 2: O REI DOS PAUS


Narra o encontro de Culisses com sua (suposta) alma gêmea, Paulo Pinto, O rei dos paus.
Paulo Pinto também é portador de uma mutação genética até então nunca vista: possui 7 "pinguelos" (ou jeba ou Pikachu ou saroba, pra quem não conseguiu entender).
O "encaixe" entre eles é tão perfeito que eles se casam no final deste livro. (Spoiler)

Livro 3: SACO DE OSSOS


Esta parte final foca na figura de Jó Tranquilo, um amigo em comum do casal que não para de brigar e de reclamar do casamento e do parceiro para ele.
Embora Culisses e Paulo Pinto encham diariamente o saco de Jó, o saco deste não estoura porque ele também possui uma mutação genética: saco de ossos.

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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Doação de livros

A cerca de um mês, 150 livros novos foram incorporados ao acervo da biblioteca. 

Todos doados pela população.

Mas, nem todas as doações chegam em bom estado.

Certa vez, apareceu um senhor aqui dizendo se eu poderia pegar uma caixa de livros no carro dele.

- Trouxe livros maravilhosos para vocês! - ele disse.

Fui até o carro. Abri o porta-malas. Peguei a caixa. Estava muito, mas muito pesada!

E o homem falando:

- Você não imagina a raridade que tem aí!

"Pelo peso, deve ser uma múmia egípcia" - pensei.

- São livros antigos! Só não coloquei à venda na internet porque quero contribuir com a biblioteca da cidade. - ele disse.

Quando abri a caixa de papelão, era como se, de fato, eu tivesse aberto o sarcófago do Tutancâmon.




O cheiro de coisa velha guardada era tão forte que embolorou o meu pulmão na hora!

Exagero!

Mas que atacou minha rinite, isso atacou!

Enquanto eu retirava os livros da caixa (e espirrava sem parar), o senhor ficou parado me observando.

- Muito obrigado, senhor! - eu disse, para ser gentil.

- Eu não disse que eram raridades? 

- Sim. Deve ter até um correio elegante escrito "de Adão para Eva com amor".

- O quê?

- Eu disse que, de fato, são muito raros.

- Ah...

Falando sério:

Biblioteca NÃO É depósito de lixo.

Livros mofados ou com broca (um bichinho que come os livros) não podem ser colocados ao lado de livros novos pois estes também ficarão estragados.

Já livros em BOM ESTADO serão sempre muito bem-vindos.

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quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Sem o livro

- Bom dia, Paulo!
- Bom dia!
- Tô com uma listinha de livros. Você pode me ajudar a procurar?
- Claro!
- O primeiro é "A arte...
- ... da guerra"!
- Nossa! Você é vidente, é? 

Risos

- O segundo é "Quem mexeu...
- ... no meu queijo?"
- Para vai! Que truque é esse?
- (Rindo) - É que são livros bem conhecidos.
- Quero ver você acertar o último: "Pai rico...
- ... pai pobre".
- Ah, não! Você tá de sacanagem?!
- (Risos) Vou pegar os livros.

Pego os livros nas prateleiras e os coloco no balcão.

- E então, qual você vai levar?
- Como assim?
- É que você só pode levar um por vez.
- Sério?
- Sério.
- Hum... Deixa eu pensar...

15 minutos depois

- Paulo, qual você sugere que eu leve?
- Olha, depende do teu objetivo. Um é de estratégia militar. O outro, sobre motivação. E o terceiro, orientação financeira.
- Entendi... Bom mesmo seria se pudesse ter tudo isso num livro só.
- E tem.

Vou até a prateleira, pego um livro e mostro para o leitor:





O leitor olha para o livro, arregala os olhos, olha para mim, faz o sinal da cruz e diz:

- Bruxo!

E vai embora sem o livro.

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terça-feira, 25 de setembro de 2018

Os cheiros da biblioteca

Biblioteca tem cheiro?

Tem!

Conforme o vento, um aroma de pipoca doce do carrinho da praça invade o ambiente e é tão forte que já está nos causando hiperglicemia coletiva.

Já na hora do almoço, é a vez de sofrermos com o perfume da comida do vizinho (ou vizinha).

O cheiro é tão bom que, certa vez, uma leitora perguntou se eu estava escondendo um porco atrás do balcão tamanho o ronco que o meu estômago deu.

Infelizmente, nem todos os cheiros são agradáveis...

Quem trabalha com público sabe que é normal se deparar no final de uma tarde de verão com um trabalhador que passou o dia na luta e que vai chegar até a gente um pouco suado.

Isso é entendível e perdoável.

Agora, o que eu não entendo é a pessoa chegar aqui logo cedo, assim que abrimos, cheirando à pizza vencida de aliche com cebola extra.

De todos esses casos sobre cheiros, há um que considero o mais bizarro.

Numa tarde, estávamos trabalhando normalmente quando, de repente, ouvimos um estrondo alto e prolongado.

Olhamos um para o outro e eu disse:

- Será que vai chover?

O céu era azul de outono. O tempo, extra seco. Não ia chover nem a pau!

O barulho se repetiu. Mais alto e mais forte.

Seriam anjos apocalípticos anunciando o fim do mundo com suas trombetas?

Não.

Era um leitor na sala ao lado cuja flatulência poderia encher um balão com um só golpe.

Neste dia, agradeci muito a Deus por estar com sinusite e não conseguir sentir cheiro de nada.

Já minhas colegas de trabalho estavam quase morrendo asfixiadas pelas bombas do leitor que certamente em breve será contratado pelo Talibã.

Falando dos meus colegas de trabalho, não posso reclamar. Todos apreciam um bom perfume.

Certa vez, uma ex-colega, hoje aposentada, saiu do toalete e um senhor que estava ao bebedouro olhou para ela com olhar sedutor e disse:

- Nossa! Que perfume gostoso...

Mas a colega muito irritada respondeu:

- Isso não é perfume. Isso é BOM AR!

E saiu toda magoada e chorando.

Se ela se chamasse Gabriela, já teria ganhado um apelido: "Gabriela Cravo e Canela", porque este era o aroma do odorizador de ambiente.

Mas se chamava Ana.