terça-feira, 21 de maio de 2019

Feira de livros

Muito antes do crepúsculo, o feirante gritava a plenos pulmões:

- Olha a melancia! Moça bonita não paga, mas também não leva!

A garota perfeita passa apressada.

- Quem era? - pergunta Iracema.

- A menina que roubava livros. - responde Ulisses.

- Pelo jeito continua roubando. - diz o homem que calculava o valor das suas compras.

- Fala sério, irmão! Até que se prove o contrário, somos todos inocentes. - intervém o feirante.

- O corpo fala. - responde o homem. - Viu como ela corria?

- Vai dar a volta ao mundo em 80 dias - debocha Iracema.

- Pelo menos mantém o físico. – brinca Ulisses e todos riem.

Pouco adiante, o grande Gatbsy paquera uma ninfeta de nome Lolita, enquanto aguarda um artista de rua terminar o retrato de Dorian Gray. 

O caçador de pipas passa distraído e tromba com os miseráveis que pedem esmolas.

Sentado numa cruz de madeira, o pagador de promessas come um pastel e toma caldo de cana pensando: “Essa feira é a divina comédia!”

- Quem mexeu no meu queijo? – pergunta O Mercador de Veneza.

- Homens e ratos tentaram - responde O estrangeiro. – Mas só os ratos conseguiram.

- É a revolução dos bichos.

Carrie, a estranha, chega gritando:

- Onde está Teresa?

Está à espera de um milagre. A cabana onde ela mora está pegando fogo.

- Obrigado, Dom Quixote! Alguém pode ajudar?

Teresa, cansada de cometer crime e castigo receber, agora estava em busca do  tempo perdido, agindo como uma garota exemplar.

E o vento levou todos para ajudá-la.

A cabana ficava depois das cidades de papel e apesar do perigo iminente, as pessoas tiveram a sutil arte de ligar o foda-se. 

O grupo seguiu o som e a fúria do fogo quente como o Inferno, e quase acabou desaparecido para sempre, o que deixaria a história sem fim.

Mas, um dia, depois de quase cem anos de solidão, Teresa finalmente foi encontrada.  E o grupo todo pode retornar.

No caminho de volta, cruzaram com o apanhador no campo de centeio que mesmo velho e magro feito um saco de ossos continuava trabalhando.

Já a feira, bem como os antigos lares e famílias, não existia mais. Havia ficado em algum lugar do passado.

Naquele grupo de solitários centenários se abateu a angústia. Como teriam forças para recomeçar?

De repente, o céu escureceu passando por cinquenta tons de cinza, mas em vez de uma tempestade, surgiu das nuvens o mágico de Oz que num estalar de dedos transformou todos em jovens novamente.

O grupo se dividiu entre a cidade e as serras. 

Teresa foi morar com Alice no país das maravilhas.

E todos viveram felizes para sempre.


Fim

Obs: Dizem que essa história é verídica e que são memórias póstumas de Brás Cubas.


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quinta-feira, 16 de maio de 2019

O homem do futuro

Naquela tarde, sozinho na biblioteca, lia um livro quando "ele" chegou:

- Boa tarde!

- Boa...

Não consegui completar a frase. O homem do outro lado do balcão era, e ao mesmo tempo não era, eu!

- Tudo bem, Paulo?

Ri de nervoso. 

- Como isso tá acontecendo?

Ele sorriu. E pude notar seus dentes mais brancos e alinhados que os meus.

- Calma, Paulo... Você é muito ansioso.

- Como posso ficar calmo? Eu tô de frente comigo mesmo. Só que numa versão melhorada. Como isso é possível?

- Olha isso.

Ele baixou a cabeça mostrando seu couro cabeludo. Estava cabeludo mesmo! 

Cocei minha cabeça e senti onde meu cabelo já começa a falhar...

- Implante? - perguntei.

- Não. Tratamento.

Sua pele, diferente da minha, estava sem manchas ou oleosidade. 

Vestia roupas limpas como as minhas, mas, muito mais novas.

Mas era a sua postura, confiança e energia positiva que mais me chamavam a atenção.

- Por que você veio? 

- Por que você continua aí?   

Recuei. Aquela pergunta bateu forte no peito.

- Eu tô trabalhando aqui. 

- E você se sente útil aqui?    

Engoli seco.

- Sim. Eu... Eu ajudo os leitores a escolherem livros e...

- E...?

Fiquei irritado.

- Aonde você quer chegar com isso, cara?

- Você é feliz com seu trabalho? Com sua vida?

Fiquei olhando para ele. Ele sereno, aguardando a resposta.

- Quem você pensa que é pra me interrogar assim?

Ele sorriu.

- Eu poderia responder: "eu sou você amanhã", mas... Não tenho certeza disso...

Sentei um instante. Estava zonzo. Incrédulo com aquilo tudo. Tomei fôlego e encarei a situação:

- Olha... Não sei se tô ficando louco. O que sei é que você é uma versão melhorada de mim mesmo. E isso me leva a pensar que voltei do futuro pra me dizer alguma coisa...

O "outro eu" inclinou a cabeça como quem diz "pode ser". Continuei:

- Mas, agora você disse que não tem certeza de que sou eu amanhã... Tô confuso!

Tranquilo, o "outro eu" pediu que eu me levantasse e ficasse frente a frente com ele. Tocando meu ombro:

- Paulo, o que define uma mudança na vida?

- Várias coisas. - respondi. - Muitas delas nem dependem da gente. Uma surpresa, um acidente, por exemplo.

Ele assentiu com a cabeça.

- Além dessas coisas das quais não temos controle, existe algo mais que nos permita mudar de caminho?

Pensei um instante.

- Sim. Uma escolha.

- Exatamente! E feita a escolha, qual o passo seguinte?

- Ação? 

- Ação! 

Olhei para baixo. Depois ao meu redor. Lembrei de quando era criança e sonhava trabalhar na biblioteca. Já adulto, prestei concurso, passei em terceiro lugar. Depois de quatro anos fui contratado. E já havia passado seis anos desde então.

- O que você faz da sua vida? - perguntei.

Seus olhos brilharam.

- Eu vivo! Uni tudo o que eu gostava e fazia bem: teatro, leitura e escrita. 

- Como foi possível?

- Escolha, Paulo.

Quantas escolhas eu já tive que fazer na vida... Nem sempre acertei. Mas, todas elas mudaram muito o rumo das coisas.

- O que você escolheu? 

- O que você quer escolher nesse momento? Responde a primeira coisa que aparecer na sua cabeça.

- Estudar!

Meu outro eu sorriu.

- Estou fazendo Mestrado em Artes Cênicas em outra cidade. Nessa cidade que você está pensando.

- Por isso tanta leitura, tanta escrita e teatro. 

- Sim. Vou transformar minha dissertação de Mestrado em livro. 

Fiquei tão feliz pelo meu "outro eu" que o abracei.

Quando abri os olhos, estava sentado sozinho com um livro nas mãos.

Foi então que eu entendi. A felicidade que senti pelo outro, na verdade era por mim mesmo. Porque ele era eu a partir da minha escolha. E eu havia acabado de escolher. E comecei a agir naquela mesma tarde...




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quarta-feira, 15 de maio de 2019

Leitura da mão

Shirlei havia acabado de se cadastrar na biblioteca e quando lhe entreguei o regulamento ela soltou essa:

- Reparei rapidamente em sua mão e achei bastante interessante...

Percebendo que fiquei meio sem jeito, ela explicou:

- Não estou te assediando... Eu trabalho com as mãos.

- Ah! A senhora é manicure?

- Não.

- Massagista?

Ela sorriu.

- Eu sou quiromante.

- Que legal! Quanto a senhora cobra para ler a mão?

- Nada. Faço porque é meu dom.

Como não havia mais ninguém além de nós, tratei logo de mostrar as duas mãos e ela imediatamente começou a analisar:

- Vejo que antes de trabalhar aqui, houve um período de muita luz na tua vida.

"É porque trabalhei 10 anos na Companhia de Energia Elétrica" – respondi mentalmente.

Ela prosseguiu:

- Há pouco tempo, você descobriu que uma presença feminina na sua vida não era o que você esperava.

"Bom... Ganhei uma gata e chamei de Lurdes. Depois, descobri que não era gata e sim um gato macho. Faz sentido."

- De um ano para cá, vejo que algumas peças não estão se encaixando na sua vida.

"Acertou na mosca! As última 3 peças de teatro que tentei fazer não vingaram. Essa mulher acerta todas!" - continuei deboxando em pensamento. Então, peguntei:

- E o meu futuro?

Ela espremeu os olhos como se estivesse com dificuldades para enxergar.

- Desculpe-me... Vejo o seu rosto, mas... Está tudo esbranquiçado.

"De fato, minha barba e meus cabelos estão precisando de um tonalizante para disfarçar os fios brancos."

Recolhi minhas mãos e agradeci por educação.

Sempre acreditei em videntes, mas, aquela mulher não era quiromante nem aqui nem na China.

Antes de ir embora, porém, ela me surpreendeu:

- Tchau, Paulo Sergio, e obrigado!

Como ela sabia meu nome se eu não havia falado?

Corri até a rua e chamei:

- Shirlei!   
   
Ela se virou.

- Como você sabe o meu nome?

- Eu li no teu crachá.

A honestidade da sua resposta me fez voltar ao trabalho pensando:

"Não se fazem mais charlatões como antigamente..."




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terça-feira, 14 de maio de 2019

Onde está Teresa?

Um homem careca e carrancudo, muito parecido com o vilão dos Vingadores, encostou no balcão da biblioteca e questionou minha colega:

- A Teresa tá aí?

- Mas, quem é Teresa?

- Teresa é minha filha.

- Desculpe, não conheço.

O homem agitado andava de um lado para o outro bufando feito um touro. 

- O senhor pode entrar nas salas de leitura e ver se ela está lá.

O homem foi, voltou e novamente perguntou:

- Mas, a Teresa veio aqui hoje?

- Dá uma olhada no livro de presença. Vê se ela assinou.

Mas, em vez de conferir o livro, o homem sacou o celular do bolso e ligou, provavelmente, para a mãe da menina:

- A moça da biblioteca disse que a Teresa não veio aqui hoje.

Minha colega olhou para mim "p... da vida". Fiz sinal para se acalmasse, deixando o vilão comigo. O homem desligou o celular e novamente se dirigiu a ela:

- Já que eu tô aqui, vou pegar um livro. A senhora tem alguma sugestão?

- Tenho! - eu disse tomando a frente.

Peguei um livro que havia acabado de ser devolvido e mostrei para o carrancudo.

- Leva este aqui.

O "Thanos cover" fechou ainda mais a cara, mas, graças a Deus, não estalou os dedos. 

Não sei porque ele foi embora chateado. 

Segue abaixo o livro que indiquei:




Irônico? Eu? 

Não! 

Eu só quis ajudar...

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segunda-feira, 13 de maio de 2019

Falando com a parede

De segunda à sexta, a biblioteca abre ao público às 9 da manhã. 

Na última sexta-feira, quando faltavam 15 minutos para às 10, uma garota entrou, parou em frente ao balcão da recepção, olhou na minha cara e perguntou:

- Tá aberta ou abre às 10?

Provavelmente, era a primeira vez que ela entrava na biblioteca. Não tinha a obrigação de saber sobre nossos horários.

Mas, meu Deus do céu! A porta estava mais do que aberta, estava escancarada!

(Neste ponto da leitura é possível que você, leitor(a), esteja pensando que sou chato. Mas, leia o que aconteceu na sequência).

- Você tem algum livro sobre deficit de atenção? - ela perguntou.

- Tenho sim. Você tem a carteirinha da biblioteca?

- Daqui não.

- E da Unidade 2?

- Também não.

Aqui em Atibaia temos duas bibliotecas. Quem tem cadastro em uma pode pegar livro na outra. Por isso perguntei se ela tinha cadastro na Unidade 2.

Já a resposta dela, me lembrou aquela velha piada do Programa do Chaves:

- O gato ou o Kiko?

- O gato.

- E o Kiko?

- Também.

Para fechar com chave de ouro. Ou, como diria meu tio, "com chave de bosta", aconteceu isso:

- Do que eu preciso para fazer a carteirinha?

Peguei um papel que contém tudo que é necessário anotado e, vagarosamente, como se explicasse a uma criança de 5 anos, fui dizendo a ela e riscando com uma caneta para facilitar a visualização:

- 2 fotos 3x4 iguais, documentos ORIGINAIS e comprovante de endereço atual e ORIGINAL.

Aí ela pergunta:

- Tudo cópia? 

Respirei fundo.

- Não. É tudo ORIGINAL! 

Ela realmente precisava ler o livro.

Mas será que conseguiria prestar atenção?





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quinta-feira, 9 de maio de 2019

Gêmeos

O rapaz entrou na biblioteca, olhou bem no meu rosto, sorriu e perguntou:

- Você é parente do cara da foto?

Pensei logo no meu primo, que trabalha na mesma rua, numa loja de artigos para fotografia. Na dúvida, perguntei:

- Qual foto?

- Aquela na parede.

Na entrada da biblioteca, temos a foto do patrono, Joviano Franco da Silveira.

Eu ri. Era a quinta vez que me comparavam ao Joviano desde que comecei nesse emprego.

Bem que eu gostaria de me parecer com ele.

Não fisicamente. E sim na qualidade intelectual.

Ele era poeta, historiador, jornalista e filósofo.

E mesmo vivendo apenas 23 anos, deixou uma vasta bagagem literária, grande parte desta conservada no Museu Municipal de Atibaia.

Abaixo, segue a minha foto ao lado da foto do Joviano.

Parece ou não parece?




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quarta-feira, 8 de maio de 2019

Gente que batuca

Uma das coisas mais irritantes desta vida é gente batucando no balcão da biblioteca.

Se você, leitor ou leitora, também trabalha atrás do balcão e passa por isso, seus problemas acabaram! Abaixo, segue um turorial de como fazer um batuqueiro parar. 

Técnica número 1:

Assim que o cliente começar a batucar, pare imediatamente de atendê-lo e fique olhando fixamente nos seus olhos. Ele vai parar. Sempre funciona! Por quê? Depende. Observe as reações dele.

Se o cliente parar de batucar e dar um passo para trás com expressão de espanto, certamente estará pensando que você, olhando fixamente para ele sem piscar, é um psicopata que a qualquer momento vai fincar uma caneta no pescoço dele.

Caso o batuqueiro pare e tenha em seu rosto um sorrisinho estilo Monalisa é provável que  te deixe um bilhete com o número de celular ou te mande flores qualquer dia desses.

Seduzir sem intenção é um risco desta técnica.

Técnica número 2:

Assim que o cliente começar a batucar, coloque uma caneta na mão dele e peça para ele assinar algum papel.

Quando ele for assinar, pegue o papel de volta, pedindo "licença", e continue a fazer o que estava fazendo.

Depois de alguns segundos quieto, é provável que ele volte a batucar e, pior, use a caneta para isso.

Neste momento, peça novamente para ele assinar o papel. Depois, retire a folha como da primeira vez.

Repita essa operação exaustivamente até ele parar definitivamente.

Ou até ele se irritar e questionar:

- Ei! Você tá pensando que sou palhaço?

Não se preocupe. Até chegar a este ponto, você  provavelmente já finalizou o seu trabalho.

Há o risco do cliente ficar te encarando e você achar que ele é o psicopata.

Uma saída pode ser a janela...

Técnica número 3:

O cliente chega. Pede sua ajuda. Enquanto você vai buscar o que foi pedido, ele começa a batucar no balcão.

Imediatamente, você fica em pé e, a plenos pulmões, puxa aquele famoso samba das antigas: "Viver!!! E não ter a vergonha de ser feliz... Cantar e cantar e cantar..."

O cliente fica paralisado!

Sua colega tira um pandeiro debaixo do balcão.

Outra aparece com um chocalho.

O pessoal da limpeza chega arrasando no cavaquinho e violão.

O surdo é por conta do seu chefe.

O samba esquenta e 8 passistas entram pela porta.

O leitor recua. Foge para o fundo. E quase tromba com o Mestre-Sala e a Porta-Bandeira.

Desesperado, ele corre. Enrosca-se nas alegorias até que consegue escapar para a rua. Um ônibus freia em cima dele. Ele volta para a calçada. Mas, é atropelado pela ala das baianas. 

FIM



(Aí o leitor me pergunta: este "Carnaval" acaba assim?
Eu repondo: sim!
Afinal, já é quarta-feira.)





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terça-feira, 7 de maio de 2019

Taxidermia

Taxidermia não é uma epidemia de táxis nem uma doença de pele.

É o processo de encher com palha um animal morto para que mantenha as suas características.

Domingo retrasado, trabalhei no Museu de História Natural no Parque Edmundo Zanoni em Atibaia.

340 pessoas visitaram o local naquele dia.

A parte mais divertida foi ouvir os comentários das crianças diante de tantos animais empalhados.

- Ai, coitadinho! Esse também morreu...

Comentou uma garotinha de seis anos.

Talvez ela tivesse esperança de encontrar algum animal vivo ali.

Outra menina da mesma idade, mais conformada, disse:

- Todos eles morreram...

Acho que na imaginação das crianças, os bichos foram colocados vivos no museu e depois, por falta d'água, comida e ar, morreram dentro das vitrines. E, para elas, o culpado era eu.

O que explica uma menina me mostrar a língua antes de ir embora.

Um garoto de oito anos entrou sozinho, deu uma olhada no gavião empalhado e saiu com os olhos arregalados. Voltou com o pai e, sentindo confiança, soltou essa:

- Pai, vem ver. Tudo isso "eles" mataram.

Eles, no caso, era eu. Eu e os meus comparsas. Ou capangas. Como nós éramos maus!

Outra menina, entrando com a mãe, disse:

- Mãe, todos os bichos que estão aqui, antes estavam no parque. Eles morreram. Ou mataram eles.

A menina disse essa frase cinco vezes seguidas.

Só podia ser indireta.

A única criança que não me acusou foi um menino de nove anos que veio correndo do salão do fundo dizendo:

- Vó! Vem logo que vão atacar a gente!

A vó saiu rindo.

Se bem que depois fiquei pensando se o menino não estava se referindo a mim... O "caçador". O homem mau!

Para fechar, uma adolescente de dezessete anos entrou, olhou para os bichos empalhados e perguntou:

- Moço, são todos de mentira?

- Não, são todos de verdade.

- Deus me livre!     

E saiu correndo.

"Deus me livre" se estivessem vivos. Imagina sentir uma fisgada na panturrilha, olhar para baixo e perceber que tem um filhote de onça brincando com você enquanto é observado pelos pais lá no fim do corredor...




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sábado, 4 de maio de 2019

Sábado sem história

Depois de participar de uma oficina de escrita criativa e entender que escrever não é questão de inspiração e sim de prática, passei a ficar uma hora por dia, todas as tardes, criando no computador.

É sábado. Trabalhei na biblioteca até meio-dia. Chego em casa, almoço  e corro com a faxina. Às 15 horas, estou liberado.

“Sobre o que vou escrever hoje?”

Abro o notebook e me lembro: “São as palavras que conduzem o texto.”

Começo a digitar o título:

“A”

Alguém bate à porta.

Atendo.

- Pois não?

- Boa tarde, senhor! Sou, Wagner, representante da Hino...

- Aceita um copo d’água?

- Aceito.

- Só um minuto.

Encosto a porta. Entro. Pego o copo d’água. Levo ao vendedor. 

- Muito obrigado

Ele bebe com vontade. É um outono atípico, de muito calor.

- Aceita mais um pouco?

- Obrigado! Estou satisfeito. O senhor conhece os produtos da Hino...

- Imagina! Eu pego mais.

- Senhor, não precisa...

Já estou dentro de casa.

Pego a garrafa d’água. Encho o copo. Ele toma. Pego a garrafa de novo...

- Não. Não. Não... Aaaaaah!!!

Encho pela terceira vez.

Ao terminar, ele dá um passo para trás, antes que eu possa encher seu copo novamente.

- Não aguento mais. Estou satisfeito. 

- Ok.

Ele estica o braço para me devolver o copo. Pego.

- Então, senhor...?

- Paulo.

- Senhor Paulo...

- Só Paulo, por favor.

- Ah, desculpe. Então, Paulo, você conhece os produtos da Hino...

- Só um minutinho que eu vou guardar o copo.

Entro. Encosto a porta. Volto trazendo um saco de biscoito de polvilhos e umas paçocas de rolha.

- Wagner, trouxe umas coisinhas pra você comer. Sei que andar o dia todo na rua dá muita fome. Eu mesmo quando trabalhava na companhia de energia elétrica...

Conto minha história enquanto ele come biscoitos e paçocas. O segredo para se livrar desses vendedores é falar mais que eles.

Quando percebo que ele está com dificuldade de engolir pela secura dos alimentos, é o momento de questioná-lo:

- Faz tempo que você trabalha com esse produto?

- (...)

Ele tenta responder e engasga.

Bato nas costas dele.

- Vou buscar mais água.

- Nããããããoooooo...

Quando volto com a segunda garrafa d’água, o vendedor já foi embora.

“Finalmente vou poder escrever”.

Já são 16 horas.

Recomeço a digitar o título. O notebook desliga.

Corro e abro a gaveta. A conta de luz foi paga.

Saio na rua. A vizinha que tudo sabe, tudo vê traz a notícia:

- Acabou a energia da rua toda.

Na esquina, há um caminhão da companhia de energia. A mesma que trabalhei e contei a história para o vendedor. 

Parece castigo.

- Tem previsão de demora, amigo?

- Daqui uma hora a energia volta.

Entro à procura de um lápis, uma caneta, um papel.

Encontro o papel. Mas e as canetas? Lembro que emprestei o estojo para o meu sobrinho brincar e só Deus sabe onde ele deixou.

Fico agoniado. Escrever é uma necessidade para mim.

“O celular, claro!”

Pego o celular. A bateria está acabando.

Resolvo fazer um café. No fogão. Não há energia para usar a cafeteira.

O café dá certo. Pelo menos isso. Volto para a rua. Sento na porta de casa. Fecho os olhos. Tento meditar...

“Piiiiiii...”

O microondas apita. A energia está de volta.

Entro na cozinha e ao olhar a hora me dou conta que cochilei sentado na porta.

“O que a vizinha vai dizer?” 

- Certeza que fumou erva.

Ela que pense.

Ligo novamente o notebook. 

“A”

Quando vou digitar a segunda palavra, a porta abre.

- Oi amor, vai tomar banho que a gente vai sair.

Salvo o “A” e desligo o computador. 

Desculpem leitores, mas, hoje, não tem história. 

Segue lá no INSTA: Paulo Sergio












quinta-feira, 2 de maio de 2019

Gládis - A Desconfiada

Quando a moça entrou na biblioteca, pedi que assinasse o livro de presença.

- Pra quê? – perguntou intrigada.

- Para saber quantas pessoas estão frequentando.

Ela pegou a caneta, leu o cabeçalho do livro e questionou:

- Mas, eu tenho que marcar nome e bairro? Por que você quer saber onde moro?

- Para ter uma ideia de onde as pessoas se deslocam pra chegar até aqui.

- Mas, não vou colocar o nome da minha rua não.

- Não precisa. É só o bairro.

Ela ficou um tempo olhando para o livro antes de preenchê-lo.

Vi que se chamava Gládis.

- Eu quero fazer o meu cadastro. Do que eu preciso?

- Comprovante de endereço...

Ela me interrompeu.

- Êpa! Você disse que eu não precisava passar meu endereço.

- Eu disse que você não precisava anotá-lo no livro. Mas, para fazer o cadastro é preciso.

Depois de pensar um instante, ela concluiu:

- Faz sentido.

Tirou o comprovante da bolsa e colocou no balcão.

- Do que mais eu preciso?

- Duas fotos 3x4...

- Duas fotos? Por que duas fotos?

- Uma para ficar no teu cadastro dentro do arquivo e outra para colocar na tua carteirinha.

- E por que vocês não tiram foto na hora? Nas bibliotecas de São Paulo as fotos são digitalizadas.

- Infelizmente nosso sistema não é informatizado. Ainda fazemos carteirinha de papel.

Ela ficou me olhando, sobrancelha franzida como quem está desconfiada. Depois de um tempo, tirou as fotos da carteira.

- Falta alguma coisa?

- Sim. CPF e RG.

- Ahhhhh!!! Mas, nunca que eu vou te passar o meu CPF.

- Ué?! Mas você não disse que fez cadastro nas bibliotecas de São Paulo? Tenho certeza que lá eles pediram teu CPF.

- Não. Eu disse que lá eles tiram foto digitalizada. Foi isso o que eu disse.

- Ok. Mas você teve que passar teu CPF para completar o cadastro, certo?

- Errado! Quando me pediram o CPF eu desisti.

Era difícil de acreditar que pudesse existir uma pessoa tão desconfiada.

- Só por curiosidade... O que você acha que posso fazer com teu CPF?

- E você acha que sou louca de te dar essa dica?

Perdi a paciência. 

- Escuta aqui! Você tá achando que eu sou o quê? Uma espécie de golpista?

Peguei as fotos e o comprovante de residência e coloquei no balcão. Virei as costas e fui cuidar de outra coisa.

- Espera!

Olhei para ela.

- Você me parece um cara de confiança.

Gládis começou a mexer na bolsa. Tirou os documentos e também um celular.

- Vamos fazer o seguinte: enquanto você faz o meu cadastro, vou ficar filmando. Porque se no futuro, algo acontecer com o meu CPF, eu já sei que foi você.

- Eu não acredito nisso!

- Eu também não. Mas, vai que acontece. Eu preciso me garantir, não é?!

Fiquei observando aquela mulher e pensando: como lidar com uma pessoa louca?

A resposta era: entrar na loucura dela.

- Ok! Você vai me filmar. Mas, se a minha cara aparecer em qualquer rede social ou site, vou te processar por uso indevido de imagem. Inclusive, vou fazer uma ligação para o meu advogado e você já conversa com ele...

Quando tirei o fone do gancho, uma sirene de polícia soou lá fora.

- NÃO PRECISA!

- Como é que é?

- Não precisa! Lembrei que tenho médico daqui a meia hora e não vai dar tempo de fazer o cadastro. Tchau!

- Espera! Seus documentos...

Tarde demais. Gládis saiu feito um tiro. Recolhi seus documentos sobre o balcão. Zelosa e neurótica como era, certamente voltaria logo para buscá-los. Foi então que percebi algo estranho: embora as fotos do RG e da habilitação fossem de Gládis, os nomes nos documentos eram diferentes.

Na rua, gritaria. Voz conhecida. Saí na porta. Era Gládis. Presa pela polícia. Um policial apareceu. Fez perguntas sobre ela. Contei o ocorrido. E entreguei-lhe os documentos.

Lembrei-me de uma frase que o meu pai sempre dizia:

“Quem não deve, não teme.”

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terça-feira, 30 de abril de 2019

Casal 20k





Horas depois de encerrar o expediente na biblioteca, fui a uma choperia.

Enquanto aguardava meu chope, reparei no casal da mesa ao lado. Tanto a moça quanto o rapaz eram muito bonitos e estilosos.

A moça, ao lado do rapaz, esticou o braço fazendo uma selfie. Olhou o resultado e torceu a cara. Tirou outra. E outra. E mais outra... Pelo jeito não estava saindo perfeita.

- Deixa que eu tiro. – disse o rapaz.

Ele bateu uma foto. Não deu certo.

- Deixa eu trocar de lado com você.

Ele se sentou a direita da moça. Sendo destro, seria mais fácil acertar a foto nessa posição.

Ele esticou o braço comprido estilo pau de selfie e clicou.

“Agora vai” – pensei.

- Não ficou boa. – ele disse.

Eu já estava quase me oferecendo para fazer a foto quando o garçom chegou.

- Pode fazer uma foto pra gente? – pediu a moça.

O garçom tomou distância e tirou uma, duas, três para garantir. Devolveu o celular pra garota e seguiu.

Conferindo o resultado, ambos balançaram a cabeça negativamente.

Outro garçom apareceu trazendo o pedido deles.

Imediatamente, o rapaz ajeitou as porções e bebidas, pegou o celular e deu duas voltas na mesa procurando o melhor ângulo para fotografar.  

Demorou tanto, que a batata frita murchou, o queijo derreteu e a cerveja esquentou.

Quando sentou, foi a vez da menina tentar outra selfie. Ela virou a cabeça de lado e mostrou a língua. Ele fez cara de mau e um “V” com os dedos. 

Acho que o efeito era “Boomerang”. 

Dessa vez acertaram de primeira. Ela colocou o celular na mesa, pegou o copo de cerveja e o namorado propôs um brinde com foto, claro.

Ele usou o disparador automático e tirou muitas fotos em sequência.

Demoraram um bocado para verem todas.

- Gostei dessa. – ela disse.

- Essa não. Tá tremida. Prefiro essa daqui.

- Credo! Nessa eu tô com barriguinha.

“Barriguinha onde, meu Deus?”

Depois de um tempo, chegaram a um consenso e postaram duas fotos.

O rapaz colocou o celular na mesa, pegou uma batata frita e antes de mordê-la o celular vibrou. Conferiu:

- Já temos 3 curtidas!

Ela também pegou seu celular.

E ficaram assim pulando do Facebook para o Instagram para verem as curtidas e lerem os comentários. Mas, claro que havia pausas entre uma rede e outra. A pausa servia para eles responderem pessoas no Whatsapp.

Eu, que havia chegado depois, já estava no meu quarto chope e minha porção já havia acabado fazia tempo.

Olhei aquele casal tão bonito e fiquei pensando no que as pessoas estavam dizendo sobre eles: “Lindos!”, “Casal Top!”, “Melhor casal”.

E imaginando quanta gente invejava aquela “felicidade”, aquele “amor”, aquele “casal perfeito”.

Então, eu tive certeza que a solidão não é uma questão de falta de pessoas. 

Aquele casal não conversava, não se beijava, não tinha conexão. O que os unia era apenas a necessidade de mostrar aos outros uma imagem (falsa) de felicidade.

Quanto a mim, estava sozinho por opção. Mas, muito bem acompanhado pela minha própria presença, meus pensamentos, minha paz interior.

E meu chopinho, claro!

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Urucubaca

Uma colega da biblioteca chegou dizendo que ao fazer uma limpa no seu guarda-roupa encontrou no bolso de um casaco uma nota de R$50 reais.

Cheio de esperança, também promovi uma faxina em minha casa e dentro de uma gaveta achei um boleto que esqueci de pagar...

Dizem que sorte não existe. Outros, dizem que existe e que é um fase. Assim como também tem a fase em que a gente “tá cagado”.

Estava trabalhando um dia desses com uma preguiça do tamanho de um elefante e bocejando sem parar.

- O que é isso, Paulo? Tá com urucubaca? 

- Bobagem, isso não existe. - respondi pra minha colega.

Quando levantei para ir jogar uma água no rosto, a cadeira giratória deslizou, bateu na mesa do computador e quebrou a chave da gaveta que alguém, imprudentemente, deixou pendurada.

Com esforço, tirei o resto da chave quebrada da fechadura e levei até o chaveiro mais próximo.

- Quanto fica? - perguntei.

- Vinte reais. 

Achei um absurdo, mas, era o que tinha no momento. Coloquei a mão no bolso.

- Cadê minha carteira? 

Havia esquecido na biblioteca.

- Moço, pode fazer a chave que eu já volto. 
           
Voltei pra biblioteca. Abri a carteira. Só 10 reais. Corri até o banco. Peguei o dinheiro. Começou a chover.

O chaveiro ficava na praça e não havia onde esconder.

Quando a chave ficou pronta, eu já estava bastante molhado e comecei a espirrar sem parar.

No caminho de volta, escorreguei. A chave voou da minha mão caindo na grama.

Comecei a apalpar a grama e quem passava de carro não entendia nada. Alguns buzinavam. Outros gritavam algo que eu não entendia.

As pessoas quando não entendem o que veem, são assim: julgam, criticam ou tiram sarro. Eu mesmo certa vez achei que um cara era maluco por estar falando sozinho na rua. Só depois percebi que ele estava com fone de ouvidos falando ao celular.

A chuva já estava forte quando eu finalmente encontrei a chave.

Encharcado, cheguei à biblioteca. Encaixei a chave e tentei girar. Não girou. Voltei ao chaveiro.

- Olha, moço. Não funcionou. 

Ele analisou a chave.

- Putz! Foi mal. Eu te entreguei a chave errada.   

Pensei na chuva que havia tomado à toa e fervi de raiva. Meu corpo até secou.

Exagero!

Peguei a chave certa e voltei à biblioteca. Encaixei. Girei. Nada!

- Não é possível!     

Já estava saindo para reclamar com o chaveiro quando minha colega disse:

- Paulo.

- Eu?        

- Tô achando que essa chave não é dessa gaveta. 

Ela puxou a gaveta e a chave estava dentro.

Alguém tinha encaixado uma chave errada na fechadura. A chave que eu quebrei.

A chuva havia diminuído, mas eu continuava molhado. Atravessei a rua, fui até a loja da esquina e comprei uma camiseta. Na volta pra biblioteca, pisei na merda, mas não percebi.

Dizem que dá sorte. Sorte nada! A moça da limpeza quase me espancou quando deixei um rastro dentro da biblioteca.

Minha colega tinha razão. Era urucubaca sim!




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sexta-feira, 26 de abril de 2019

A Multa

Quinze dias é o prazo que o leitor pode ficar com um livro emprestado da biblioteca de Atibaia.

No caso de atraso na devolução é cobrada uma multa de um real por dia.

A data de entrega é anotada numa carteirinha individual que fica com o leitor.

E para reforçar nós ainda ligamos para quem passou do prazo de entrega. Mas, cobrar é sempre desagradável...

- Bom dia, é da casa da Gerusa?!

- Quem quer falar com ela?

- É da biblioteca.

- Quem?

- Paulo.

- Saulo?

- Não. PAULO!

- Paulo de onde?

- Da biblioteca.

- Não tô entendendo.

Resolvo falar mais alto...

- A GERUSA ESTÁ?

- O que você quer com a minha filha?

Alto e pausadamente...

- ELA PEGOU UM LIVRO... NA BIBLIOTECA... PRECISA DEVOLVER... ESTÁ ATRASADO.

- Eu não quero comprar nada não, moço.

Alto, pausadamente e insistentemente...

- GERUSA, POR FAVOR!

- Ela também não quer.

“TU, TU, TU, TU...”

O telefone é desligado na minha cara.

Ligo mais algumas vezes. Cai na caixa postal.

Tento o celular da garota. No terceiro toque ela atende:

- Alô?

- Alô! Gerusa?

- Sim, é ela. Quem gostaria?

- Aqui é o Paulo...

Silêncio por uns instantes.

- Alô? Gerusa? Está me ouvindo?

- Eu não acredito que você tá me ligando!

Rio da piada.

- Pois é... Não gosto muito dessa missão de cobrar, mas...

- CARA DE PAU!!!

Não parecia uma piada.

- Nossa! Calma! Isso faz parte do meu trabalho.

- Só se for o trabalho de fazer as clientes de trouxa!

Definitivamente, não era uma piada.

- Olha, acho que você está confundindo as coisas...

- Não, tem confusão nenhuma! Eu paguei por uma hora. Mas, você deu no pé quando fui ao banheiro. Como eu me arrependo de ter pagado adiantado. Como eu me arrependo...

Gerusa estava descontrolada e não me ouvia. Como fazê-la prestar atenção em mim e desfazer a confusão? 

Tive uma ideia.

- GAROTA EXEMPLAR.





- O quê?

- O livro que você emprestou da biblioteca.

- Peguei sim, mas...

- A devolução do livro está atrasada.

Depois de um breve silêncio.

- Quem está falando? É o Paulão Pé de Mesa?

- Não. É o Paulão da biblioteca.

- Ai que vergonha...

“Tu, tu, tu, tu...”.

Na mesma tarde, uma amiga da Gerusa apareceu na biblioteca. Devolveu o livro, pagou a multa e pediu desculpas pela confusão da amiga.

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terça-feira, 23 de abril de 2019

O Personagem Escritor

Hoje, 23 de abril, é o Dia Mundial do Livro!

Eu ainda não publiquei nenhum livro, mas, já fui personagem de um.

Para quem não sabe o Paulo Sergio da "Autobiografia Não Autorizada do Oscar Filho" sou eu!



E o capítulo bônus, a partir da página 279, também foi escrito por mim. São três histórias curtas e divertidas.

Para quem estiver lendo esta postagem pensando:

- Esse Paulo Sergio tá querendo aparecer na cola do Oscar Filho.

Eu respondo:

- Sim. Estou! 

Já para quem se interessar pelo livro, a biblioteca pública municipal do centro de Atibaia conta com um exemplar em seu acervo, doado pelo próprio Oscar Filho.

Acho relevante postar que o primeiro exemplar foi doado por mim, porém, um leitor levou emprestado e nunca mais voltou...

Frequente as bibliotecas!

Leia livros!

Só não se esqueça de devolvê-los!

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segunda-feira, 22 de abril de 2019

A Casa dos Espíritos

Dias atrás, depois de guardar livros, parei na porta da biblioteca para olhar a rua. Uma criança passando de mãos dadas com a mãe olhou de canto de olho e disse:

- Tenho medo de entrar nessa casa?

É fato que a biblioteca precisa de reformas, mas não imaginava que estava ao ponto de ser confundida com uma casa mal assombrada.




Se bem que o medo também pode ter sido causado pelo “porteiro”, que na imaginação do garoto seria eu.

“Preciso urgente arrumar minha sobrancelha”- pensei.

Parece exagero, mas a minha sobrancelha, se eu descuidar, humilha a do Monteiro Lobato.

A vantagem é poder penteá-las para trás, quando meus cabelos caírem, e ninguém perceber minha careca.




Mais interessante que o meu “parentesco” com o célebre escritor são as coisas que acontecem não apenas dentro da biblioteca mas ao seu redor.

Na loja de móveis do outro lado da rua há um rapaz que fica o dia todo gritando:

- Estacionamento aqui, ó! Estacionamento aqui, ó! Estacionamento...

Tal frase é repetida umas quatrocentas vezes, antes de uma pequena pausa para tomar água.

Sei que este é o trabalho dele. Um trabalho digno. Mas, quem tenta estudar na biblioteca reclama e muito.

Já eu e meus colegas, dia após dia aguentando isso das 9 às 18 horas, estamos discutindo uma solução: fazer uma vaquinha para comprar uma placa escrita ESTACIONAMENTO e doar para o rapaz segurar e parar de gritar ou jogar uma paçoquinha na goela dele para engasgá-lo.

Competindo com ele está a loja do “xingue-lingue” ao lado. Um único CD é tocado o dia todo a ponto da voz da Marília Mendonça sair rouca na última rodada antes das 18 horas.

O pior é que as músicas grudam na cabeça. Outro dia, por exemplo, um leitor entrou na biblioteca dizendo:

- A devolução do livro era pra ontem. Atrasei.

E em vez de responder “bom dia”, eu cantei:

- “Eeeeh, infiel...”.

Silêncio na biblioteca só antes das 9 horas.

Recentemente, cheguei às 8 da manhã ao trabalho e fiquei fazendo serviço interno. 

Havia uma brisa suave no ar, uma tranquilidade, uma paz que há muito tempo não sentia. Até que...

- SUA VACA!

Um grito raivoso cortou o ar. E recebeu resposta:

- NÃO ENCOSTA OU TE QUEBRO!

As duas vozes femininas vinham da sala de informática o que era bastante curioso, uma vez que a biblioteca ainda não estava aberta e as duas colegas de trabalho que já haviam chegado estavam na cozinha.

Os gritos continuaram exaltados e eu não tive dúvidas: a discussão era entre a loira do banheiro e o fantasma da biblioteca .

Foi então que as palavras daquele menino fizeram sentido: “– Eu tenho medo de entrar nessa casa...”.

Óbvio que ele era médium.

- Paulo!

Era minha colega me chamando.

- Você viu que tem duas mulheres brigando embaixo da janela da inclusão digital?

Estiquei o pescoço e me dei conta que a briga era lá fora.

Assistimos aquilo por um tempo. As duas mulheres gritavam palavrões e depois tentavam se estapear e unhar, mas quem apanhava na verdade era a coitada que estava no meio tentando separá-las.

Resolvi ligar para a polícia. Mas, quando tirei o telefone do gancho, minha colega interviu:

- Paulo, espera!

Eu me aproximei dela e observei a cena: as duas brigonas se abraçaram, pediram desculpas e uma delas disse:

- Aceita comer um pastel comigo?

- Aceito – respondeu a outra.

E como duas velhas comadres seguiram em direção à feira.

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