Quando a moça entrou na biblioteca, pedi que assinasse o livro de presença.
- Pra quê? – perguntou intrigada.
- Para saber quantas pessoas estão frequentando.
Ela pegou a caneta, leu o cabeçalho do livro e questionou:
- Mas, eu tenho que marcar nome e bairro? Por que você quer saber onde moro?
- Para ter uma ideia de onde as pessoas se deslocam pra chegar até aqui.
- Mas, não vou colocar o nome da minha rua não.
- Não precisa. É só o bairro.
Ela ficou um tempo olhando para o livro antes de preenchê-lo.
Vi que se chamava Gládis.
- Eu quero fazer o meu cadastro. Do que eu preciso?
- Comprovante de endereço...
Ela me interrompeu.
- Êpa! Você disse que eu não precisava passar meu endereço.
- Eu disse que você não precisava anotá-lo no livro. Mas, para fazer o cadastro é preciso.
Depois de pensar um instante, ela concluiu:
- Faz sentido.
Tirou o comprovante da bolsa e colocou no balcão.
- Do que mais eu preciso?
- Duas fotos 3x4...
- Duas fotos? Por que duas fotos?
- Uma para ficar no teu cadastro dentro do arquivo e outra para colocar na tua carteirinha.
- E por que vocês não tiram foto na hora? Nas bibliotecas de São Paulo as fotos são digitalizadas.
- Infelizmente nosso sistema não é informatizado. Ainda fazemos carteirinha de papel.
Ela ficou me olhando, sobrancelha franzida como quem está desconfiada. Depois de um tempo, tirou as fotos da carteira.
- Falta alguma coisa?
- Sim. CPF e RG.
- Ahhhhh!!! Mas, nunca que eu vou te passar o meu CPF.
- Ué?! Mas você não disse que fez cadastro nas bibliotecas de São Paulo? Tenho certeza que lá eles pediram teu CPF.
- Não. Eu disse que lá eles tiram foto digitalizada. Foi isso o que eu disse.
- Ok. Mas você teve que passar teu CPF para completar o cadastro, certo?
- Errado! Quando me pediram o CPF eu desisti.
Era difícil de acreditar que pudesse existir uma pessoa tão desconfiada.
- Só por curiosidade... O que você acha que posso fazer com teu CPF?
- E você acha que sou louca de te dar essa dica?
Perdi a paciência.
- Escuta aqui! Você tá achando que eu sou o quê? Uma espécie de golpista?
Peguei as fotos e o comprovante de residência e coloquei no balcão. Virei as costas e fui cuidar de outra coisa.
- Espera!
Olhei para ela.
- Você me parece um cara de confiança.
Gládis começou a mexer na bolsa. Tirou os documentos e também um celular.
- Vamos fazer o seguinte: enquanto você faz o meu cadastro, vou ficar filmando. Porque se no futuro, algo acontecer com o meu CPF, eu já sei que foi você.
- Eu não acredito nisso!
- Eu também não. Mas, vai que acontece. Eu preciso me garantir, não é?!
Fiquei observando aquela mulher e pensando: como lidar com uma pessoa louca?
A resposta era: entrar na loucura dela.
- Ok! Você vai me filmar. Mas, se a minha cara aparecer em qualquer rede social ou site, vou te processar por uso indevido de imagem. Inclusive, vou fazer uma ligação para o meu advogado e você já conversa com ele...
Quando tirei o fone do gancho, uma sirene de polícia soou lá fora.
- NÃO PRECISA!
- Como é que é?
- Não precisa! Lembrei que tenho médico daqui a meia hora e não vai dar tempo de fazer o cadastro. Tchau!
- Espera! Seus documentos...
Tarde demais. Gládis saiu feito um tiro. Recolhi seus documentos sobre o balcão. Zelosa e neurótica como era, certamente voltaria logo para buscá-los. Foi então que percebi algo estranho: embora as fotos do RG e da habilitação fossem de Gládis, os nomes nos documentos eram diferentes.
Na rua, gritaria. Voz conhecida. Saí na porta. Era Gládis. Presa pela polícia. Um policial apareceu. Fez perguntas sobre ela. Contei o ocorrido. E entreguei-lhe os documentos.
Lembrei-me de uma frase que o meu pai sempre dizia:
“Quem não deve, não teme.”