terça-feira, 30 de abril de 2019

Casal 20k





Horas depois de encerrar o expediente na biblioteca, fui a uma choperia.

Enquanto aguardava meu chope, reparei no casal da mesa ao lado. Tanto a moça quanto o rapaz eram muito bonitos e estilosos.

A moça, ao lado do rapaz, esticou o braço fazendo uma selfie. Olhou o resultado e torceu a cara. Tirou outra. E outra. E mais outra... Pelo jeito não estava saindo perfeita.

- Deixa que eu tiro. – disse o rapaz.

Ele bateu uma foto. Não deu certo.

- Deixa eu trocar de lado com você.

Ele se sentou a direita da moça. Sendo destro, seria mais fácil acertar a foto nessa posição.

Ele esticou o braço comprido estilo pau de selfie e clicou.

“Agora vai” – pensei.

- Não ficou boa. – ele disse.

Eu já estava quase me oferecendo para fazer a foto quando o garçom chegou.

- Pode fazer uma foto pra gente? – pediu a moça.

O garçom tomou distância e tirou uma, duas, três para garantir. Devolveu o celular pra garota e seguiu.

Conferindo o resultado, ambos balançaram a cabeça negativamente.

Outro garçom apareceu trazendo o pedido deles.

Imediatamente, o rapaz ajeitou as porções e bebidas, pegou o celular e deu duas voltas na mesa procurando o melhor ângulo para fotografar.  

Demorou tanto, que a batata frita murchou, o queijo derreteu e a cerveja esquentou.

Quando sentou, foi a vez da menina tentar outra selfie. Ela virou a cabeça de lado e mostrou a língua. Ele fez cara de mau e um “V” com os dedos. 

Acho que o efeito era “Boomerang”. 

Dessa vez acertaram de primeira. Ela colocou o celular na mesa, pegou o copo de cerveja e o namorado propôs um brinde com foto, claro.

Ele usou o disparador automático e tirou muitas fotos em sequência.

Demoraram um bocado para verem todas.

- Gostei dessa. – ela disse.

- Essa não. Tá tremida. Prefiro essa daqui.

- Credo! Nessa eu tô com barriguinha.

“Barriguinha onde, meu Deus?”

Depois de um tempo, chegaram a um consenso e postaram duas fotos.

O rapaz colocou o celular na mesa, pegou uma batata frita e antes de mordê-la o celular vibrou. Conferiu:

- Já temos 3 curtidas!

Ela também pegou seu celular.

E ficaram assim pulando do Facebook para o Instagram para verem as curtidas e lerem os comentários. Mas, claro que havia pausas entre uma rede e outra. A pausa servia para eles responderem pessoas no Whatsapp.

Eu, que havia chegado depois, já estava no meu quarto chope e minha porção já havia acabado fazia tempo.

Olhei aquele casal tão bonito e fiquei pensando no que as pessoas estavam dizendo sobre eles: “Lindos!”, “Casal Top!”, “Melhor casal”.

E imaginando quanta gente invejava aquela “felicidade”, aquele “amor”, aquele “casal perfeito”.

Então, eu tive certeza que a solidão não é uma questão de falta de pessoas. 

Aquele casal não conversava, não se beijava, não tinha conexão. O que os unia era apenas a necessidade de mostrar aos outros uma imagem (falsa) de felicidade.

Quanto a mim, estava sozinho por opção. Mas, muito bem acompanhado pela minha própria presença, meus pensamentos, minha paz interior.

E meu chopinho, claro!

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Urucubaca

Uma colega da biblioteca chegou dizendo que ao fazer uma limpa no seu guarda-roupa encontrou no bolso de um casaco uma nota de R$50 reais.

Cheio de esperança, também promovi uma faxina em minha casa e dentro de uma gaveta achei um boleto que esqueci de pagar...

Dizem que sorte não existe. Outros, dizem que existe e que é um fase. Assim como também tem a fase em que a gente “tá cagado”.

Estava trabalhando um dia desses com uma preguiça do tamanho de um elefante e bocejando sem parar.

- O que é isso, Paulo? Tá com urucubaca? 

- Bobagem, isso não existe. - respondi pra minha colega.

Quando levantei para ir jogar uma água no rosto, a cadeira giratória deslizou, bateu na mesa do computador e quebrou a chave da gaveta que alguém, imprudentemente, deixou pendurada.

Com esforço, tirei o resto da chave quebrada da fechadura e levei até o chaveiro mais próximo.

- Quanto fica? - perguntei.

- Vinte reais. 

Achei um absurdo, mas, era o que tinha no momento. Coloquei a mão no bolso.

- Cadê minha carteira? 

Havia esquecido na biblioteca.

- Moço, pode fazer a chave que eu já volto. 
           
Voltei pra biblioteca. Abri a carteira. Só 10 reais. Corri até o banco. Peguei o dinheiro. Começou a chover.

O chaveiro ficava na praça e não havia onde esconder.

Quando a chave ficou pronta, eu já estava bastante molhado e comecei a espirrar sem parar.

No caminho de volta, escorreguei. A chave voou da minha mão caindo na grama.

Comecei a apalpar a grama e quem passava de carro não entendia nada. Alguns buzinavam. Outros gritavam algo que eu não entendia.

As pessoas quando não entendem o que veem, são assim: julgam, criticam ou tiram sarro. Eu mesmo certa vez achei que um cara era maluco por estar falando sozinho na rua. Só depois percebi que ele estava com fone de ouvidos falando ao celular.

A chuva já estava forte quando eu finalmente encontrei a chave.

Encharcado, cheguei à biblioteca. Encaixei a chave e tentei girar. Não girou. Voltei ao chaveiro.

- Olha, moço. Não funcionou. 

Ele analisou a chave.

- Putz! Foi mal. Eu te entreguei a chave errada.   

Pensei na chuva que havia tomado à toa e fervi de raiva. Meu corpo até secou.

Exagero!

Peguei a chave certa e voltei à biblioteca. Encaixei. Girei. Nada!

- Não é possível!     

Já estava saindo para reclamar com o chaveiro quando minha colega disse:

- Paulo.

- Eu?        

- Tô achando que essa chave não é dessa gaveta. 

Ela puxou a gaveta e a chave estava dentro.

Alguém tinha encaixado uma chave errada na fechadura. A chave que eu quebrei.

A chuva havia diminuído, mas eu continuava molhado. Atravessei a rua, fui até a loja da esquina e comprei uma camiseta. Na volta pra biblioteca, pisei na merda, mas não percebi.

Dizem que dá sorte. Sorte nada! A moça da limpeza quase me espancou quando deixei um rastro dentro da biblioteca.

Minha colega tinha razão. Era urucubaca sim!




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sexta-feira, 26 de abril de 2019

A Multa

Quinze dias é o prazo que o leitor pode ficar com um livro emprestado da biblioteca de Atibaia.

No caso de atraso na devolução é cobrada uma multa de um real por dia.

A data de entrega é anotada numa carteirinha individual que fica com o leitor.

E para reforçar nós ainda ligamos para quem passou do prazo de entrega. Mas, cobrar é sempre desagradável...

- Bom dia, é da casa da Gerusa?!

- Quem quer falar com ela?

- É da biblioteca.

- Quem?

- Paulo.

- Saulo?

- Não. PAULO!

- Paulo de onde?

- Da biblioteca.

- Não tô entendendo.

Resolvo falar mais alto...

- A GERUSA ESTÁ?

- O que você quer com a minha filha?

Alto e pausadamente...

- ELA PEGOU UM LIVRO... NA BIBLIOTECA... PRECISA DEVOLVER... ESTÁ ATRASADO.

- Eu não quero comprar nada não, moço.

Alto, pausadamente e insistentemente...

- GERUSA, POR FAVOR!

- Ela também não quer.

“TU, TU, TU, TU...”

O telefone é desligado na minha cara.

Ligo mais algumas vezes. Cai na caixa postal.

Tento o celular da garota. No terceiro toque ela atende:

- Alô?

- Alô! Gerusa?

- Sim, é ela. Quem gostaria?

- Aqui é o Paulo...

Silêncio por uns instantes.

- Alô? Gerusa? Está me ouvindo?

- Eu não acredito que você tá me ligando!

Rio da piada.

- Pois é... Não gosto muito dessa missão de cobrar, mas...

- CARA DE PAU!!!

Não parecia uma piada.

- Nossa! Calma! Isso faz parte do meu trabalho.

- Só se for o trabalho de fazer as clientes de trouxa!

Definitivamente, não era uma piada.

- Olha, acho que você está confundindo as coisas...

- Não, tem confusão nenhuma! Eu paguei por uma hora. Mas, você deu no pé quando fui ao banheiro. Como eu me arrependo de ter pagado adiantado. Como eu me arrependo...

Gerusa estava descontrolada e não me ouvia. Como fazê-la prestar atenção em mim e desfazer a confusão? 

Tive uma ideia.

- GAROTA EXEMPLAR.





- O quê?

- O livro que você emprestou da biblioteca.

- Peguei sim, mas...

- A devolução do livro está atrasada.

Depois de um breve silêncio.

- Quem está falando? É o Paulão Pé de Mesa?

- Não. É o Paulão da biblioteca.

- Ai que vergonha...

“Tu, tu, tu, tu...”.

Na mesma tarde, uma amiga da Gerusa apareceu na biblioteca. Devolveu o livro, pagou a multa e pediu desculpas pela confusão da amiga.

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terça-feira, 23 de abril de 2019

O Personagem Escritor

Hoje, 23 de abril, é o Dia Mundial do Livro!

Eu ainda não publiquei nenhum livro, mas, já fui personagem de um.

Para quem não sabe o Paulo Sergio da "Autobiografia Não Autorizada do Oscar Filho" sou eu!



E o capítulo bônus, a partir da página 279, também foi escrito por mim. São três histórias curtas e divertidas.

Para quem estiver lendo esta postagem pensando:

- Esse Paulo Sergio tá querendo aparecer na cola do Oscar Filho.

Eu respondo:

- Sim. Estou! 

Já para quem se interessar pelo livro, a biblioteca pública municipal do centro de Atibaia conta com um exemplar em seu acervo, doado pelo próprio Oscar Filho.

Acho relevante postar que o primeiro exemplar foi doado por mim, porém, um leitor levou emprestado e nunca mais voltou...

Frequente as bibliotecas!

Leia livros!

Só não se esqueça de devolvê-los!

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segunda-feira, 22 de abril de 2019

A Casa dos Espíritos

Dias atrás, depois de guardar livros, parei na porta da biblioteca para olhar a rua. Uma criança passando de mãos dadas com a mãe olhou de canto de olho e disse:

- Tenho medo de entrar nessa casa?

É fato que a biblioteca precisa de reformas, mas não imaginava que estava ao ponto de ser confundida com uma casa mal assombrada.




Se bem que o medo também pode ter sido causado pelo “porteiro”, que na imaginação do garoto seria eu.

“Preciso urgente arrumar minha sobrancelha”- pensei.

Parece exagero, mas a minha sobrancelha, se eu descuidar, humilha a do Monteiro Lobato.

A vantagem é poder penteá-las para trás, quando meus cabelos caírem, e ninguém perceber minha careca.




Mais interessante que o meu “parentesco” com o célebre escritor são as coisas que acontecem não apenas dentro da biblioteca mas ao seu redor.

Na loja de móveis do outro lado da rua há um rapaz que fica o dia todo gritando:

- Estacionamento aqui, ó! Estacionamento aqui, ó! Estacionamento...

Tal frase é repetida umas quatrocentas vezes, antes de uma pequena pausa para tomar água.

Sei que este é o trabalho dele. Um trabalho digno. Mas, quem tenta estudar na biblioteca reclama e muito.

Já eu e meus colegas, dia após dia aguentando isso das 9 às 18 horas, estamos discutindo uma solução: fazer uma vaquinha para comprar uma placa escrita ESTACIONAMENTO e doar para o rapaz segurar e parar de gritar ou jogar uma paçoquinha na goela dele para engasgá-lo.

Competindo com ele está a loja do “xingue-lingue” ao lado. Um único CD é tocado o dia todo a ponto da voz da Marília Mendonça sair rouca na última rodada antes das 18 horas.

O pior é que as músicas grudam na cabeça. Outro dia, por exemplo, um leitor entrou na biblioteca dizendo:

- A devolução do livro era pra ontem. Atrasei.

E em vez de responder “bom dia”, eu cantei:

- “Eeeeh, infiel...”.

Silêncio na biblioteca só antes das 9 horas.

Recentemente, cheguei às 8 da manhã ao trabalho e fiquei fazendo serviço interno. 

Havia uma brisa suave no ar, uma tranquilidade, uma paz que há muito tempo não sentia. Até que...

- SUA VACA!

Um grito raivoso cortou o ar. E recebeu resposta:

- NÃO ENCOSTA OU TE QUEBRO!

As duas vozes femininas vinham da sala de informática o que era bastante curioso, uma vez que a biblioteca ainda não estava aberta e as duas colegas de trabalho que já haviam chegado estavam na cozinha.

Os gritos continuaram exaltados e eu não tive dúvidas: a discussão era entre a loira do banheiro e o fantasma da biblioteca .

Foi então que as palavras daquele menino fizeram sentido: “– Eu tenho medo de entrar nessa casa...”.

Óbvio que ele era médium.

- Paulo!

Era minha colega me chamando.

- Você viu que tem duas mulheres brigando embaixo da janela da inclusão digital?

Estiquei o pescoço e me dei conta que a briga era lá fora.

Assistimos aquilo por um tempo. As duas mulheres gritavam palavrões e depois tentavam se estapear e unhar, mas quem apanhava na verdade era a coitada que estava no meio tentando separá-las.

Resolvi ligar para a polícia. Mas, quando tirei o telefone do gancho, minha colega interviu:

- Paulo, espera!

Eu me aproximei dela e observei a cena: as duas brigonas se abraçaram, pediram desculpas e uma delas disse:

- Aceita comer um pastel comigo?

- Aceito – respondeu a outra.

E como duas velhas comadres seguiram em direção à feira.

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