Dias atrás, fui levar uma correspondência para o bibliotecário e passando pela sala de leitura ouvi alguém chamar:
- Escuta!
Olhei e era um andarilho que sempre aparece para ler o jornal do dia. Ele continuou:
- Fala pra mim: a quanto tempo a gente é amigo?
Estranhei, pois nunca conversamos a ponto de sermos considerados amigos. Ele prosseguiu:
- Lembra quando a gente ia lá e andava de skate?
Lá? Skate? Eu nunca andei de skate!
Só então percebi que ele não falava comigo, mas com alguém que só ele conseguia ver.
Admiro e respeito muito quem tem mediunidade.
Mas o caso ali era outro: em poucos segundos, quase fiquei bêbado inalando aquela nuvem de corote formada em torno do sujeito.
- Me arruma um cigarro?
Fiquei aguardando para ver se o "amigo imaginário" ia ceder um cigarro.
- Ei! Me arruma um cigarro aí!
Daí percebi que ele estava falando comigo.
- Desculpe! Eu não fumo.
- Faz bem! Tá vendo aqui no jornal? Essa reportagem diz que fumar pode causar 50 tipos diferentes de problemas de saúde.
Eu me aproximei para ler:
"Couve manteiga: R$0,99"
Era um jornal de ofertas do mercado!
Fingi que acreditei e pedi licença.
Ele passou a manhã toda conversando sozinho, mas sem incomodar ninguém, pois a biblioteca estava vazia.
Antes de ir embora, ele parou perto de mim e disse:
- Você achou que eu tava falando sozinho, né?
Tirou os fones de ouvido e só então eu entendi que ele estava conversando no celular.
- Mas e a história do jornal? - perguntei.
- Você caiu como um pato!
Ele riu e foi embora.