quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A pegadinha do bêbado

Dias atrás, fui levar uma correspondência para o bibliotecário e passando pela sala de leitura ouvi alguém chamar:

- Escuta!

Olhei e era um andarilho que sempre aparece para ler o jornal do dia. Ele continuou:

- Fala pra mim: a quanto tempo a gente é amigo?

Estranhei, pois nunca conversamos a ponto de sermos considerados amigos. Ele prosseguiu:

- Lembra quando a gente ia lá e andava de skate? 

Lá? Skate? Eu nunca andei de skate!

Só então percebi que ele não falava comigo, mas com alguém que só ele conseguia ver.

Admiro e respeito muito quem tem mediunidade.

Mas o caso ali era outro: em poucos segundos, quase fiquei bêbado inalando aquela nuvem de corote formada em torno do sujeito.

- Me arruma um cigarro?

Fiquei aguardando para ver se o "amigo imaginário" ia ceder um cigarro.

- Ei! Me arruma um cigarro aí!

Daí percebi que ele estava falando comigo.

- Desculpe! Eu não fumo. 

- Faz bem! Tá vendo aqui no jornal? Essa reportagem diz que fumar pode causar 50 tipos diferentes de problemas de saúde.

Eu me aproximei para ler:

"Couve manteiga: R$0,99"

Era um jornal de ofertas do mercado!

Fingi que acreditei e pedi licença.

Ele passou a manhã toda conversando sozinho, mas sem incomodar ninguém, pois a biblioteca estava vazia.

Antes de ir embora, ele parou perto de mim e disse:

- Você achou que eu tava falando sozinho, né?

Tirou os fones de ouvido e só então eu entendi que ele estava conversando no celular.

- Mas e a história do jornal? - perguntei.

- Você caiu como um pato! 

Ele riu e foi embora.